14 de jul. de 2006

O debate das cotas no Brasil

A legislação que pretende instituir cotas e reparações para populações negras ou afrodescendentes não se sustenta quando analisada.

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que nossa constituição garante a igualdade de todos perante a lei e, se isso não ocorre, é por defeito da aplicação da lei. Ora, se a legislação de hoje não é respeitada, o que nos garante que leis futuras serão?

Digo isso porque o projeto do Senador Paim proclama garantir para os negros o respeito às religiões afrodescendentes, o acesso ao sistema de saúde e a proteção às manfiestações culturais da população afro-descendente. Mas a partir do momento em que a constituição garante esses pontos em seu escopo, o dever é fazer com que isso seja aplicado.
Paim quer reescrever a constituição, talvez para mostrar serviço, mas luta uma batalha já vencida. Não existe no Brasil, até onde eu saiba, o racismo institucional. E, se existe, é um erro de direito e pode ser combatido pelas vias atualmente já existentes.

Em relação ao racismo, nossa lei também já prevê que o mesmo é crime e estipula uma pena prevista para o mesmo. Ou seja, o Senador Paim não está lutando para instituir no país uma legislação que puna práticas racistas.

O que quer o senador Paim, afinal? Quer "reparações". Pela escravidão, e pelo racismo institucional que existiu no passado. Sim, eu acho que reparações são justas No caso, Paim quer reparações para pessoas que não sofreram diretamente com nenhuma dessas opressões. Refere-se aos descendentes. Talvez esteja falando da remanescente população quilombola, grupo facilmente identificável e que portanto poderia muito bem receber ajuda direta. Mas nossa constituição já prevê proteção a essas comunidades.

Paim quer instituir cotas(ou quotas). Nas empresas. Nas universidades. Seu número mágico é 20%. Notem que o projeto não é contra o capitalismo(apesar de ser contra o livre mercado). A questão é garantir aos negros uma posição no mercado que se considera "justa". E o projeto de Paim é mágico por causa disso. Ele não cria mais riquezas para o país. Ele não resolve problemas educacionais. Ele não propõe um combate mais efetivo a doenças. Está obcecado com a desigualdade entre negros e brancos. Para Paim, o problema não é existirem analfabetos, mas que existam mais negros analfabetos do que brancos. O problema não é o acesso baixo dos estudantes de escolas públicas nas universidades do governo; é o fato de existirem mais brancos do que negros nas mesmas.
Sim, são razões históricas que explicam essa diferença existente nos dados entre brancos e negros. Mas não é a presença de algum preconceito racial que explica a perpetuação de certas doenças, o alto índice de analfabetismo e o ainda elitizado acesso à universidade. Entenderam a lógica torta do Senador Paim? Os negros sofrem mais com esses problemas. Portanto, devemos estabelecer medidas corretivas, não para acabar com os mesmos, mas para que os negros sejam privilegiados. As cotas raciais em relação ao trabalho são, sem dúvida, as mais surreais: o problema do desemprego deixou de existir, foi jogado na lata do lixo. Substitui-se um branco empregado por um negro empregado, se consegue a igualdade racial...no desemprego!

Sim, pois as cotas propostas pelo nobre senador que já rasgou a constituição em pleno congresso se esquece que pelo menos 30% da economia brasileira se encontra na informalidade. As pessoas que trabalham nesse setor não serão contempladas pelas cotas. E quem serão os principais beneficiados? Os negros de classe média e rica que disputarão emprego com seus pares de raça branca.

Não bastasse tudo isso, o projeto do Senador Paim possui uma contradição evidente: o conceito de raça é determinado pelo indivíduo. Ou seja, o sujeito é que se declara como branco, negro ou pardo. Ora, qual o grande problema aqui? É o mesmo que destinar um programa de combate à fome e deixar que o conceito de fome seja definido como meramente subjetivo. O que vai acontecer? Quem não passa fome dirá que passa e receberá a ajuda. O mesmo ocorrerá com as cotas: brancos se dirão negros, e como contrariá-los? Isso mostra que é absolutamente necessário, para que o projeto do estatuto da igualdade racial funcione, que o estado defina caracteres objetivos que qualifiquem as distintas raças. O projeto diz que não, mas administrativamente será preciso criar esse instrumento. E como definir se o pardo é ou não é negro? Afinal, qual o conceito biológico de raça? Notem que não nego que raça possua um significado cultural relevante. Tanto que possuímos instrumentos legais de combate ao racismo. O que questiono é a possibilidade de se executarem políticas públicas baseadas na raça sem que se defina, de maneira racista, o que significa ser negro ou branco. E, nesse caso, a questão passa pouco pela biologia.

E no Brasil a questão racial se torna ainda mais confusa pelo fato de que nossa sociedade não se define apenas entre brancos e negros, mas possuir uma enorme presença de pardos. As cotas também englobam os pardos? E quem no Brasil não poderia se passar por pardo? Será que os legisladores chegaram a pensar nisso alguma vez?

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