6 de ago. de 2006

Sader Strikes Again

"É O REGIME socialista que permite a Cuba ser o único país no mundo em que não há pessoas abandonadas, sem direitos, sem amparo, sem apoio."
Um país sem problemas, basicamente.
"Em que não há crianças dormindo nas ruas."
Há estatística independente sobre isso?
"O único país em que toda a população possui pelo menos nove anos de escolaridade. O primeiro país no mundo que pôde se declarar `território livre do analfabetismo`, que ajudou a Venezuela na mesma conquista e agora o faz com a Bolívia."
Responderei a isso logo abaixo.
"Em que toda a população pode gozar gratuitamente dos serviços da melhor saúde pública do mundo."
Melhor saúde pública? Novamente, como se avalia isso?
"Cuba tem mais médicos trabalhando gratuitamente em países pobres do que toda a Organização Mundial da Saúde, materializando um dos lemas da revolução cubana: `A pátria é a humanidade` (José Martí)."
Fonte?
"E tudo isso apesar de ser um país sem recursos naturais valorizados no mercado internacional, submetido por séculos a uma economia primário-exportadora, centrada na monocultura do açúcar, pela divisão do trabalho imposta primeiro pelos colonizadores, depois pelos imperialistas.Essas conquistas, que tornam Cuba o país menos desigual -e, assim, o mais justo- do mundo, são possíveis pelo caráter socialista de sua sociedade."
Pois esse país, antes do governo Castro, já apresentava ótimos índices em matéria de educação e saúde, como podemos conferir nesse estudo. Nele podemos observar que, apesar de ter progredido em comparação ao seu próprio passado, teve uma piora relativa no cenário mundial e até mesmo entre seus vizinhos latino-americanos, tendo inclusive regredido em certos aspectos.
"Uma orientação contraposta às economias de mercado -que produzem conforme a demanda, conforme o poder aquisitivo, via de regra desigual, dos consumidores e das empresas-, em que as necessidades da população comandam a produção."
Para entender melhor a falácia desse parágrafo, muito comum por sinal, recomendo a crítica feita por Paul Krugman a um livro escrito por John Kenneth Galbraith:
"To be both a liberal and a good economist you must have a certain sense of the tragic--that is, you must understand that not all goals can be attained, that life is a matter of painful tradeoffs. You must want to help the poor, but understand that welfare can encourage dependency. You must want to protect those who lose their jobs, but admit that generous unemployment benefits can raise the long-term rate of unemployment. You must be willing to tax the affluent to help those in need, but accept that too high a rate of taxation can discourage investment and innovation. To the free-market conservative, these are all arguments for government to do nothing, to accept whatever level of poverty and insecurity the market happens to produce. A serious liberal does not reply to such conservatives by denying that there are any trade-offs at all; he insists, rather, that some trade-offs are worth making, that helping the poor and protecting the unlucky may have costs but will ultimately make for a better society.

The revelation one gets from reading John Kenneth Galbraith's The Good Society is that Galbraith--who is one of the world's most celebrated intellectuals, and whom one would expect to have a deeper appreciation of the complexity of the human condition than a mere technical economist would--lacks this tragic sense. Galbraith's vision of the economy is one without shadows, in which what is good for social justice always turns out to have no unfavorable side effects. If this vision is typical of liberal intellectuals, the ineffectuality of the tribe is not an accident: It stems from a deep-seated unwillingness to face up to uncomfortable reality."
Continuando...

"Cuba não deve mudar de regime porque é o socialismo que lhe possibilita essas conquistas que permitiram que o país enfrentasse a dura crise da desaparição da URSS e esteja agora no caminho da retomada da consolidação do seu desenvolvimento."
Cuba só conseguiu se recuperar graças à pequena mas relevante abertura à iniciativa privada, principalmente o setor de turismo. Para se ter uma idéia, em 1981 apenas 8% da mão de obra cubana estava empregada no setor privado. Atualmente, esse número alcança 25%. Ou seja, é graças à abertura econômica e a ajuda enviada por cubanos que moram nos Estados Unidos que a ilha se recuperou.
"Mas Cuba pode mudar aspectos da sua política. Se terminar o bloqueio levado a cabo há mais de 40 anos pelos EUA -a maior potência imperial da história"
Maior que o império de Alexandre, que dominou 90% do mundo conhecido pelos europeus? Maior que o império britânico, que chegou a dominar 25% do TERRITÓRIO mundial e que possuía 1/4 da POPULAÇÃO do globo?
"que cerca de todas as formas a pequena ilha situada a apenas 140 km de seus limites territoriais. Em 47 anos, aconteceram centenas de tentativas de assassinato de Fidel Castro, um intento aberto de invasão, uma busca de cerco naval, ataques de inoculação de vírus em plantações, incêndios em canaviais e outras regiões do país, transmissões ininterruptas de rádio e televisão de canais sediados nos EUA, vôos sistemáticos com aviões supersônicos para fotografar e tentar controlar os movimentos no país -foram algumas das tantas ações de agressão contra Cuba."
Claro, tudo isso porque os americanos são malvados, e nada disso tinha a ver com a ameaça soviética. Não descarto que os Estados Unidos tenham cometido atos condenáveis contra Cuba, mas é preciso contextualizar a ação dos agentes naquele momento. As tentativas de assassinatos contra Fidel Castro, por exemplo, ficaram principalmente no terreno da conjectura dos relatórios da CIA(não me lembro, agora, de nenhuma tentativa frustrada que tenha sido noticiada).
Ao mesmo tempo, durante o período em que Fidel Castro está no poder, um presidente americano foi assassinado e um outro, Ronald Reagan, também sofreu um atentado, e também o Papa João Paulo II, famoso pela sua cruzada anti-comunista. Ou seja, o "outro lado" também era ameaçado. Sofrer tentativa de assassinado não santifica ninguém, a não ser numa perspectiva masoquista. Como disse Checov, "o pecado dos outros não faz de você um santo".
"O sistema político cubano foi forjado no marco desse cerco criminoso, de mais de quatro décadas, fazendo com que a revolução cubana se desenvolvesse como uma fortaleza assediada pelas agressões do poderoso vizinho do norte. A unificação dos três grupos que protagonizaram a revolução em um partido único surgiu como forma de somar forças, de construir um marco de alianças que dificultasse que os conflitos internos pudessem servir de flanco para a ação inimiga."
E que acabasse com toda e qualquer oposição democrática.
"Quem se preocupa com soluções para a crise entre os EUA e Cuba e suas conseqüências dentro da ilha deveria olhar para Washington, e não para Havana. O governo cubano não coloca nenhuma condição. Não exige sequer a retirada da base de Guantánamo -que há mais de um século os EUA mantêm na ilha, contra a vontade dos cubanos, agora fazendo dela um calabouço para presos políticos ilegais, submetidos a tratamentos selvagens-"
Guantánamo é uma prisão de exceção, mas mesmo assim criticável. Já as prisões cubanas são verdadeiras guantánamos, mas como prática comum e rotineira.
"para a normalização das relações entre os dois países. Enquanto isso, o governo dos EUA demanda que Cuba se converta em um sistema como o estadunidense para que a normalização das relações seja estabelecida."
O governo estadunidense, ao contrário do cubano, muda ao longo do tempo. Durante a guerra fria, era claro que o embargo servia a interesses estratégicos. Após o fim da URSS, é questionável sua utilidade, mas é explicável pelo lobby dos cubanos que moram na Flórida, um swing state decisivo para se vencer as eleições. Além disso, Cuba se encontra numa situação que as esquerdas jurássicas latino-americanas perseguem com tanto afinco: não possui relações comerciais com os Estados Unidos. É o princípio inverso da ALCA.
"Exige mudanças justamente naquilo que diferenciou Cuba da República Dominicana ou do Haiti, países caribenhos que, ao ceder ao império vizinho, se encontram entre os mais pobres da região, sem nenhuma das conquistas da ilha."
E Costa Rica, Bahamas, Panamá, Chile? Nenhuma linha sobre estes países?
"Cuba pode e deve mudar, se terminar o bloqueio. O papel do Brasil deve ser intermediar para superar essa sobrevivência da Guerra Fria e permitir que ambos convivam de forma pacífica, cada um respeitando as decisões soberanas do outro, sem intervenções nem ameaças. E que o povo cubano, soberanamente, sem bloqueios, decida seu presente e seu futuro."
Sem comentários.

Nenhum comentário: