24 de jan. de 2007

Liberalismo não é elitismo - versão ampliada

Como eu coloquei anteriormente, o liberalismo defende que, mesmo que consideremos as decisões ou crenças alheias como estúpidas, não podemos proibi-las simplesmente porque as consideramos estúpidas. E há uma boa razão para isto.

O liberalismo não compartilha com o pós-modernismo acadêmico a crença de que não exista verdade. O que a doutrina liberal defende é algo bem distinto: toda teoria, conjectura ou afirmação pode ser questionada. Se uma idéia realmente for verdadeira, será capaz de convencer aqueles que até agora não acreditam nela*. Se, no entanto, ficar demonstrada a sua falsidade, poderemos adotar outra em seu lugar.

Imaginemos, no entanto, que rejeitamos o pensamento liberal e defendemos que a verdade, ou pelo menos certas doutrinas que consideramos verdadeiras, devem ser impostas, e a defesa de teorias falsas(ou comportamentos baseados nestas teorias) deva ser proibida. Todos concordam que é melhor seguir uma teoria que seja verdadeira do que uma que seja falsa, portanto usar a força para obrigar o indivíduo a aderir a uma teoria verdadeira não é uma agressão, mas uma melhora em relação ao seu estado anterior.

O problema deste tipo de pensamento é que se acaba julgando a proposta pela intenção em alcançar determinado objetivo, e não pela efetividade em alcançá-lo. Por exemplo, da intenção em impor uma teoria que seja verdadeira, não se deduz que somente tentará se impor teorias que sejam verdadeiras.

Façamos uma comparação. A quase totalidade de uma sociedade (A) acredita que determinada teoria é verdadeira, mas na verdade esta teoria é falsa. A sociedade (B) resolve tornar esta mesma teoria como oficialmente verdadeira. Na primeira, quase todos acreditam que aquela teoria é verdadeira, apesar de existirem alguns que acreditam em sua falsidade. Na segunda, apesar de existirem pessoas que também questionam a teoria, elas são obrigadas a consumir a mesma.

Depois de um certo tempo, o que acontecerá? Alguns indivíduos que acreditavam naquela teoria, na sociedade (A), passam a questioná-la, seja devido aos resultados obtidos pelos indivíduos que acreditavam em outras teorias, seja pelo exame crítico das teorias alternativas. Já na sociedade (B), a descrença maior ou menor dos indivíduos em relação à veracidade da teoria não modifica o fato de que ela seja compulsória e, portanto, todos os indivíduos terão que consumí-la, não importa o quanto ela se prove errônea para um indivíduo ou um grupo em particular.

Ou seja, a proposta de que podemos impor idéias (ou comportamentos baseados em idéias) que consideramos verdadeiras não vislumbra o que pode ocorrer se acabarmos por impor idéias que, se no processo de sua implementação eram consideradas como verdadeiras, futuramente se revelam equivocadas.

*Este mecanismo não implica que todo indivíduo faça este exame crítico. A maior parte de nossas crenças não foram analisadas criticamente por nós, mas herdadas da nossa tradição cultural ou do exame crítico alheio, através dos mais variados mecanismos. De qualquer forma, mesmo que não façamos este exame diretamente, fica a questão de saber se os indivíduos dos quais herdamos a maior parte das nossas opiniões são livres para exercer a crítica.

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