26 de out. de 2006

A questão do pão ou "o governo tem sempre razão"

A cada dia o governo nos apresenta uma medida surrealista. Dessa vez, uma medida que obriga as padarias a venderem o pãozinho francês de cada dia por quilo, e não mais por unidade.
"Por que o governo fez isso?" - você deve estar se perguntando. Bem, o problema começa com o fato de existir uma lei que obriga a unidade do pão possuir, no mínimo 50 gramas. "E por que o governo criou uma lei determinando o peso da unidade?". Simples, para "proteger o consumidor de ser enganado".
Vamos recapitular a história toda. Uma lei obrigando a unidade a pesar 50 gramas. Inmetro fez pesquisa recente que mostrava uma grande variação no peso da unidade. Como seria impossível conferir, diariamente, se as padarias estavam respeitando a lei, passou-se a obrigá-las a vender por quilo.
"Bem, faz sentido para mim! As padarias não estavam respeitando a lei, então foi uma boa forma de proteger o consumidor. Concordo!". Esse é o problema. Por que diabos um pãozinho precisa pesar 50 gramas? Por que não 30, 40, 45, 20, 15 gramas? A explicação oficial é simples. Como cada unidade possui peso diferente, o consumidor estaria sendo "enganado" pelas padarias, pagando mais caro por algo que "vale" menos.
Qual o problema dessa interpretação? O problema está em atribuir uma determinação objetiva para o preço, quando na verdade a determinação do mesmo é meramente subjetiva, baseada na utilidade que o indivíduo atribui àquele bem. E essa utilidade é sempre ordinal, a saber, o indivíduo prefere uma coisa à outra, e nunca cardinal, ou seja, o indivíduo prefere mil vezes algo a outro algo. Ora, como o valor de um bem advém da utilidade, conceito subjetivo, a forma como o indivíduo valoriza aquele bem também vai variar.
Talvez seja culpa da própria exposição da teoria econômica, falha nesse aspecto. Não estamos dispostos a comprar 2 litros de coca-cola como se valorizássemos cada milímetro de maneira marginal. Sim, a utilidade é marginal, mas não agimos na margem, no sentido de que agimos de uma vez. Pode parecer confuso, mas se explica assim: agimos na margem no sentido de que escolhemos na margem, mas não agimos como se consumíssemos cada unidade infinitesimal de uma vez, agimos porque já consumimos uma DADA quantidade de CADA bem e, a partir desse consumo anterior, tomamos decisões. Nesse sentido agimos na margem, pois agimos DE ACORDO COM A NOSSA SITUAÇÃO ATUAL, QUE É FRUTO DAS ESCOLHAS PASSADAS.
Ora, é um fato objetivo que os objetos possuem um determinado peso, mas isso não significa que esse fato objetivo deva ser levado em conta quando os homens agem. A utilidade não está relacionada com o peso do pão, e nem a grama é uma representação melhor da quantidade do que a medida da unidade. Poderíamos dizer, de certa forma, que existe uma faixa de peso da unidade que dá ao homem a mesma utilidade. Portanto, o consumidor seria INDIFERENTE ao fato do pão francês pesar 30 ou 60 gramas, por exemplo.
Normalmente curvas de indiferença são apresentadas para representar que uma determinada combinação de consumo de bens traz ao consumidor uma determinada utilidade, que é maior ou menor(em ordenação) do que outras combinações possíveis. Ao longo de uma curva de indiferença, existem várias combinações de bens que, para o indivíduo, lhe dão a mesma utilidade.
Menos comum, porém, é apresentar um mesmo bem, apenas variando uma característica do mesmo. Claro, numa certa definição, um bem não pode ser comparado a si mesmo, pois obviamente o consumidor será indiferente àquele produto, mas se considerarmos a idéia de substitutos perfeitos, com taxa marginal de substituição de 1, é possível imaginar um indivíduo trocando o mesmo bem por outro, que possui uma característica distinta mas considerada irrelevante.
É possível, portanto, que o indivíduo seja indiferente a pãezinhos que pesem entre 30 e 60 gramas, mas que prefira um pãozinho de 61 até 90 gramas, sendo indiferente quanto às gramas ao longo dessa curva de indiferença. É possível que essa diferença de gramas seja maior ou menor, pois vai depender das preferências que o indivíduo possui.
Ninguém nunca quis vender um pãozinho dizendo que ele possuía 50 gramas. Certamente existem pessoas que demandam isso no mercado, mas seus pedidos são solenemente ignorados*. Se estivessem dispostos a pagar um preço muito mais alto pelo pão com 50 gramas, talvez as padarias investissem nessa faixa do público. Encontramos, além disso, uma dificuldade técnica, que é o fato do pãozinho francês ser produzido de maneira artesanal. E, se pararmos para pensar, existem outros tipos de pão, que são vendidos a quilo, e que portanto já atendem a exigência da lei. A persistência do pão francês, vendido pela unidade e não pelo quilo, pode indicar várias coisas, mas indica pelo menos que, mesmo se todos estivessem dispostos a comprar o pão por quilo( e é o que pressupõe a lei), algum fator, algum diferencial, faz com que os indivíduos escolham, apesar de tudo, comprar um pão artesanal cuja determinação exata do peso é sempre complicada, do que um pão industrializado cujo peso vem determinado.
Portanto, essa lei posterior só faz sentido se supusermos a lei original como justificável. E, ao meu ver, ela não é.
*a demanda não realizada de um indivíduo é justificativa para que o governo intervenha no mercado? Pergunto isso porque, conversando com um amigo que faz direito, ele me disse que a obrigação de informações nutricionais contidas nos alimentos se justificaria mesmo que apenas um indivíduo se beneficiasse dessa medida. Ora, o problema desse raciocínio, ao meu ver, me parece no fato de que, para realizar o seu desejo, o indivíduo envoca o Estado que, ao obrigar os fabricantes a colocarem as informações nutricionais, OBRIGA TODOS QUE NÃO A DEMANDAM A PAGAREM POR ELAS. "qual o problema, não é razoável?" Devolvo a pergunta: por que esse mesmo indivíduo não contratou um profissional para que este lhe dissesse quanto aquela determinada comida possuía de nutrientes? Se alguém me disse que o custo de um único indivíduo em agir dessa forma é alto demais, e que as empresas poderiam executar essa tarefa por um custo irrisório(bastaria que fossem verificadas as informações nutricionais apenas uma vez, e esse custo seria diluído pela produção inteira. Quanto à tinta gasta para escrever as informações, a compra em grande quantidade da mesma também serviria para abater o preço desse insumo). Será que seria justificável exigir das empresas que arquem com certos custos que poderiam, de outra forma, serem exigidos pela pressão dos mecanismos de mercado, mas que não o são, no momento?

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