6 de jan. de 2007

A crítica do consumismo

Uma das críticas mais comuns e, ao meu ver, a mais sem fundamento, que se faz ao capitalismo é que incentiva as pessoas a gastarem seu dinheiro com futilidades. "Eu preciso disso, preciso daquilo" torna-se a norma de comportamento. Só se preocupam com a satisfação material, como se isso pudesse trazer felicidade. Enriquecem os produtores desses bens, que criam necessidades através da propaganda de massa.

Em primeiro lugar, não é que necessidades sejam criadas, mas simplesmente que as pessoas passam a consumir outros bens que antes não davam a mínima. Elas são convencidas de que aqueles bens podem vir a satisfazer necessidades que já existiam anteriormente, ou de que elas gostariam de experimentar certas sensações novas. Os novos gostos são derivados dos gostos anteriores, e não produzidos no vácuo. Tanto é assim que a propaganda não tem o efeito de convencer a todos que são expostos a ela, mas somente aquela parte do público que está predisposta a consumir aquele tipo de produto.

A propaganda se baseia mais em satisfazer o gosto do público do que propriamente fazê-lo mudar de opinião. Tanto que, proibida a propaganda, os indivíduos podem continuar a consumir aquele produto. O caso do cigarro é emblemático. Mesmo com o governo tendo proibido quase todas as formas de propaganda, a fatia da população adulta que fuma cresceu nos últimos anos.

Por último, considerar um gasto como fútil é bastante subjetivo, pois nunca avaliamos um gasto em particular, mas sim aquele gasto em relação a todos os outros gastos que fazemos. O fato de alguém ouvir música eletrônica de péssima qualidade não significa que todos os seus outros gastos não sejam de qualidade. O fato de alguém adorar os filmes de Rocky Balboa e desprezar filmes com maior seriedade não significa que ela não valorize a seriedade em outras áreas, como por exemplo uma poesia bem elaborada ou livros sobre a história do pensamento econômico. A questão é que, quando gostamos muito de algo, tendemos a lamentar que outras pessoas não exijam tanta qualidade quanto nós, mas esquecemos que nós talvez não exijamos tanta qualidade em outras áreas quanto os outros. Portanto, para aquela pessoa, aquele gasto não é fútil, já que não espera, ao consumir aquele bem, nada além do que ele oferece.



5 de jan. de 2007

A crítica dos valores - parte 2

Os valores que regem uma sociedade são dinâmicos, e se modificam ao longo do tempo. A legislação deve se adaptar a essa mudança, se adequando aos novos tempos. Mas a mudança é sempre feita na margem. Alguns valores se modificam enquanto outros se conservam. A modificação da legislação na margem não pode contrariar a legislação em seu conteúdo geral.

A lei se refere ao que não pode ser feito, e nesse sentido se distingue da moral, que define como o indivíduo deve agir. A moral e lei se tocam, mas não se confundem. O indivíduo não pode fazer nada que a lei não permita, portanto aquilo que deve fazer pressupõe definir o que não pode fazer. A moral é assunto privado, mas na margem é uma questão legal. Se um código moral determina que os homossexuais devam ser exterminados, este será impedido de ser posto em prática se a lei determinar que não se pode exterminar alguém por ser homossexual. Ou seja, a lei está embebida na moral predominante numa determinada sociedade.

Nas comunidades mais primitivas, aquilo que o indivíduo pode fazer está ligado basicamente a questões de sobrevivência. Portanto, a forma como ele deve agir se confunde com as limitações de como ele pode agir para continuar vivo. Com a crescente complexidade e diversidade das relações sociais, os indivíduos se vêem diante de uma série de escolhas que precisam ser feitas. De novo a pergunta: como ele deve proceder? Só que, nesse caso, a margem de ação dele é muito maior, já que a maior parte de suas decisões não implicará um risco à sua sobrevivência nem a dos outros.

A impressão de que os indivíduos não se guiam por nenhum valor se dá justamente no fato de que as oportunidades que se colocam diante dos indivíduos excedem as descrições e delimitações de um código moral mais restrito, herdado do passado. A moral tornou-se mais experimental, os riscos aumentaram.

A idéia de que o capitalismo precisa ser restrito para salvaguardar os valores advém justamente daí: como os indivíduos podem agir das mais variadas formas possíveis, pois na margem existe um horizonte de possibilidades, parece que os valores não importam mais, não restringem a ação do homem. Mas esse é um equívoco, os valores continuam a existir, apenas a sua aplicação tornou-se menos óbvia. E essa aplicação menos óbvia dos valores também vale para o corpo legal.

Quando se cria uma lei para defender os valores, ela é tão vaga que cria uma possibilidade de ação bastante ampla para os homens incumbidos de fazer cumprir a lei. Ou seja, ao invés da lei restringir a ação do governo, impedindo as arbitrariedades, ela implica em que os governantes ajam de maneira arbitrária, já que não há nenhum princípio pelo qual o governante possa ser guiado para aplicar aquela lei. Ele se depara com o mesmo horizonte de possibilidades do indivíduo, com uma diferença: ele não conhece as condições particulares tão bem quanto o agente que precisa decidir como deve agir.

4 de jan. de 2007

Textos fundamentais de Hayek















Economics and Knowledge, 1937

The Use of Knowledge in Society, 1945

The Intellectuals and Socialism, 1949

Why I am not a Conservative,
1960

Competition as a Discovery Procedure
, 1968

Liberalism
, 1973

The Pretense of Knowledge, 1974

A crítica dos valores - parte 1

Uma das críticas mais comuns ao capitalismo é que, nesse sistema, as pessoas não seriam mais guiados por valores, mas simplesmente por interesses financeiros. A moral seria pervertida pela tentativa de obter riqueza a qualquer custo. Seria preciso substituir, ou pelo menos restringir, o capitalismo. Os bons valores precisam novamente ser reforçados.

Essa crítica é, no mínimo, confusa. Em todas as épocas, sempre coube ao indivíduo a decisão final de aderir a certos valores ou não. O interesse financeiro nada mais é do que fruto da necessidade de se obter recursos para consumir certos bens ou realizar determinados planos. Ninguém acumula riquezas por si mesmas, mas sim porque irá utilizá-las para satisfazer determinadas necessidades. E essas necessidades são determinadas pelos valores aos quais o indivíduo adere. Mesmo o ladrão, quando rouba a propriedade alheia, o faz não porque gosta de roubar, mas sim porque intenciona usar aqueles recursos para obter certos bens. E por que nem todos roubam? Simples, porque para muitos o ato de roubar é contrário a certos valores.

O que ocorre é que o homem não possui apenas um valor que guia suas ações, mas adere a um série de valores que, em determinadas circunstâncias, são conflitantes entre si. Portanto, a questão não é exatamente achar que roubar é absolutamente certo ou errado, mas saber se em determinadas circunstâncias é certo roubar ou não.

A questão é a seguinte: a adesão aos valores cabe sempre, em última instância, ao indivíduo. A partir do momento em que adere a eles, os mesmos se tornam absolutos, mas o movimento de adesão não é absoluto, ou seja, os valores são sempre passíveis de serem discutidos, apesar da propriedade de serem inquestionáveis quando aderimos a eles. Isso não significa, no entanto, que o indivíduo não possa futuramente aderir a valores diferentes dos atuais.

A crítica de que o capitalismo enfraquece os valores que regem a vida social não compreende que não se trata de aderir ou não a valores, mas sim em se saber a QUAIS valores devemos aderir. E, portanto, é válida a discussão em relação aos valores, pois não existe nenhum que seja absoluto. Não se pode culpar, por exemplo, o capitalismo pela decadência da religião, se entendermos que o indivíduo deve ser livre para aderir ou não a um determinado conjunto de crenças. Se as pessoas ignoram os princípios religiosos, é porque valorizam outros valores que não esses, não porque não tenham valores que norteiem suas vidas.

3 de jan. de 2007

Animals - House Of The Rising Sun

There is a house in New Orleans
They call the Rising Sun
And it's been the ruin of many a poor boy
And God I know I'm one

My mother was a tailor
She sewed my new bluejeans
My father was a gamblin' man
Down in New Orleans

Now the only thing a gambler needs
Is a suitcase and trunk
And the only time he's satisfied
Is when he's on a drunk

Oh mother tell your children
Not to do what I have done
Spend your lives in sin and misery
In the House of the Rising Sun

Well, I got one foot on the platform
The other foot on the train
I'm goin' back to New Orleans
To wear that ball and chain

Well, there is a house in New Orleans
They call the Rising Sun
And it's been the ruin of many a poor boy
And God I know I'm one
Usuários de Internet Explorer

Os limites da ação estatal

1-O Estado não pode ressuscitar os mortos. Quem morreu, é para sempre e fim de papo.

2-O Estado não pode evitar a morte dos que ainda estão vivos. Pode adiá-la, é verdade, ao evitar que as pessoas morram em certas situações. Mas não pode, em últim instância, evitar o fim da vida.

3-O Estado não pode garantir que a pessoa fique feliz num arranjo social qualquer.

2 de jan. de 2007

A crítica da discriminação - parte 2

No texto anterior, deixei em aberto a questão de saber se devemos, através de mecanismos institucionais, forçar o fim da discriminação. A implementação dessa idéia pode se dar através de duas frentes, basicamente: multas por não contratar alguém mais bem qualificado do que outro simplesmente por este ser mulher, cristão, homossexual, etc. Ou cotas que garantam a contratação de maneira proporcional à população.

As cotas possuem um problema fundamental, que é pressupor não existir nenhum outro fator para a desproporção de contratados que não seja a discriminação. Ou seja, a única distribuição que indicaria a ausência de discriminação seria a que refletisse inteiramente a população local. A crítica da discriminação se confunde com a crítica da oportunidade. Na verdade, a primeira é filha da segunda. Explico: no passado, a falta de oportunidade se conectava, muitas vezes, à existência de barreiras institucionais que perpetuavam a discriminação. Não importava o quão talentoso alguém pudesse ser se pertencesse a um grupo ao qual era negada a possibilidade de exercer determinada profissão.

As barreiras institucionais foram, aos poucos, sendo quebradas. Mas ainda havia a questão das oportunidades distintas, ou seja, se era verdade que os indivíduos eram remunerados de acordo com a sua produtividade, não era permitido a todos desenvolverem de maneira igual suas capacidades. Políticas públicas foram implementadas a esse respeito, garantindo a igualdade contra a adversidade e equipando o indivíduo de condições para modificar sua própria posição na sociedade. Estamos nesse estágio agora mesmo, discutindo até que ponto o Estado pode garantir a igualdade contra a adversidade e, portanto, uma maior mobilidade social no sistema capitalista.

A crítica da discriminação nasce de uma decepção com essa oportunidade dita igual. Se todos possuem a mesma oportunidade, ou melhor, estão protegidos contra certas adversidades da mesma forma, por que alguns grupos continuam a obter resultados piores do que outros? Há uma discriminação sistemática contra certos grupos, que não pressupõe uma desigualdade de oportunidades. Ao contrário, é reforçada por ela.

As cotas poderiam dar certo se supuséssemos que uma determinada produtividade X se distribui igualmente entre os grupos em questão. Se esse não é o caso, então a adoção das cotas no mercado de trabalho levaria ao emprego ineficiente dos recursos disponíveis. Mas fica a pergunta: por que essa distribuição entre os grupos não é igual? A resposta usual seria culpar a discriminação. Mas é uma falsa resposta. Discriminação ocorre quando, mesmo sendo mais produtivo, um indivíduo é preterido por um outro menos produtivo pelo fato de pertencer a um grupo considerado inferior.

Poderíamos culpar essa desigualdade fazendo a crítica pela igualdade de oportunidade. Mas se não há discriminação oficial, o problema não estaria na discriminação mas sim na existência de certas adversidades que atingem um determinado grupo muito mais do que outro. E por que atinge um determinado grupo mais do que outro? A resposta seria discriminação. Mas uma discriminação que existia no passado, mas não existe mais hoje. Quando os negros foram libertos no Brasil, existia uma diferença considerável entre a percentagem de alfabetizados por raça. A universalização da alfabetização levou a um aumento global na percentagem de alfabetizados, mas conservou aquela diferença original que não conseguiu ser dissipada. Só será quando realmente garantirmos, para todos, a garantia de ser alfabetizado.

A diferença de produtividade não se resolve com cotas, mas sim pela igualdade contra a adversidade. Fica a questão de saber se uma empresa deve sempre ser obrigada a contratar alguém mais produtivo. Bem, no caso a própria estrutura de um mercado competitivo obriga as empresas a contratarem os indivíduos mais produtivos. Vamos supor que nenhuma empresa contrate pessoas do grupo X, apesar de mais produtivas. Se uma nova empresa aparece no mercado e contrata pessoas de X, sairá em vantagem contra as outras empresas, pois contratará os indivíduos mais produtivos.

O comportamento que maximiza o lucro é aquele que, dada uma remuneração y por determinado trabalho, procura contratar os indivíduos com maior produtividade. Se os donos do capital optam por outro arranjo que não esse, estarão perdendo dinheiro no curto prazo e, no longo prazo, participação no mercado, ao optar por um arranjo menos produtivo do que a concorrência. Claro que a eliminação de arranjos discriminatórios dependerá de quão competitivo seja o mercado. Mas fica a proposta de uma solução: a melhor maneira de acabar com a discriminação no mercado de trabalho é tornando o capitalismo mais competitivo e dinâmico.

1 de jan. de 2007

A crítica da discriminação - parte 1

Vimos, até agora, que a crítica marxista ao capitalismo requer a sua substituição pelo socialismo. Mas essa crítica falha ao ignorar que:

1-a legislação que garante a propriedade dos meios de produção vale para qualquer um que venha a ocupar a posição de dono do capital, ou seja, apesar de beneficiar a poucos pode vir a beneficiar a qualquer um

2-o trabalhador recebe exatamente a remuneração do seu trabalho, que não é determinante do valor de um bem

3-mesmo abolida a propriedade privada dos meios de produção, ainda reside o problema de como o capital deve ser aplicado. Ou seja, é preciso que algum administrador decida em última instância

Vimos também que a crítica da oportunidade aceita que o trabalhador é remunerado de acordo com a sua produtividade. Mas critica o fato de que nem todos tenham a mesma oportunidade de alterar a posição na qual se encontram. Algumas considerações podem ser feitas a esse respeito:

1-o capitalismo é distinto da sociedade de castas e escravista, pois no primeiro há mobilidade social tanto para cima como para baixo. Na de castas só se pode cair de posição e na escravista só se pode ascender.

2-a posição social é referencial, portanto para alguém ascender é preciso que alguém desça. Se todos os que estão abaixo ascenderem, todos os que estão acima descerão. As posições se conservam.

3-o Estado não pode garantir oportunidade igual para todos. Mas, ao oferecer uma determinada oportunidade, pode garantí-la de maneira igual para todos.

4-a igualdade que podemos garantir é contra certas adversidades que impedem o indivíduo de modificar, por meio de suas escolhas, a sua própria posição. Ou seja, acabar com os obstáculos contra a mobilidade social

Já a crítica da discriminação parte de um outro ponto de vista. Sua preocupação não é com a relação entre patrão e empregado, nem se todos os indivíduos numa certa sociedade são capazes de, através do seu próprio esforço, modificar sua posição na sociedade. Ela afirma que o indivíduo, por pertencer a um determinado grupo, possui sua autonomia limitada pela discriminação existente numa determinada sociedade. Não adiantaria, por exemplo, garantir igualdade contra a adversidade de ser analfabeto numa sociedade na qual os afro-descendentes são considerados inferiores.

Como no tópico da oportunidade, repito que é fundamental eliminar toda e qualquer legislação que tenha como intenção impedir que determinado grupo venha a exercer uma determinada atividade. Ressalto novamente que qualquer restrição nesse sentido deve ser vista como exceção para resolver outros problemas, e não como instrumento de segregação.

Mas a crítica da discriminação não trata apenas de questões legais. Afirma que uma sociedade na qual existe discriminação culturalmente aceita perpetuará a mesma nas suas relações cotidianas e que, portanto, não faz diferença se a mesma é sancionada pela lei ou não. Novamente, coloco que essa é uma posição equivocada, já que uma legislação que não contenha a obrigação da discriminação já coloca a probabilidade dela acontecer como sendo menor do que 1, portanto numa situação já melhor do que aquela de uma sociedade na qual existe certeza de que aquele grupo será discriminado. Para esclarecer melhor o meu ponto, se não existe discriminação oficial quem não concorda com ela possui a opção de não agir dessa forma, enquanto naquela em que a discriminação é oficial todos os indivíduos, mesmo os que não discriminam aquele grupo, são obrigados a agir como se discriminassem.

Quem critica o capitalismo por esse perpetuar a discriminação pode ter concordado comigo até agora. Resta, no entanto, a seguinte questão: devemos utilizar mecanismo institucionais para que os indivíduos não discriminem os outros? Por exemplo, devemos forçar que um empresário contrate um funcionário negro mais capaz do que um branco, e impedí-lo de contratar um branco menos competente? É essa a pergunta que precisa ser feita, por isso a cota nas universidades para afro-descendentes é um mecanismo inútil nos próprios termos de quem é contra a discriminação. Pois esta é uma solução que se relacionaria mais com a crítica da oportunidade, e se realmente existe discriminação numa sociedade o fato de alguém ter estudado mais do que poderia ter estudado se não fossem as cotas não será garantia de que aquela pessoa ganhará de acordo com a sua produtividade. Isso vale também para discriminação contra mulheres, homossexuais e outros grupos.