A velha esquerda não possui mais nenhum nome. Galbraith morreu esquecido. Chomsky não é mais levado a sério. Hobsbawm não espera mais nada da humanidade a não ser a auto-destruição. Bourdieu tentou, mas não conseguiu desenvolver uma política que fugisse dos lugares-comuns. O movimento anti-globalização foi varrido pela marcha da economia, dinâmica e insaciável. O Fórum Social Mundial não consegue produzir nenhuma alternativa, seja teórica, seja prática. Virou um reduto do anti-americanismo e do fascismo bolivariano.
O que quero dizer com tudo isso, afinal? A esquerda possível é aquela que abraça o liberalismo político, ou aquilo que gosto de chamar consenso lockeano. E em que consistiria esse consenso? Na simples fórmula:
-não existem governantes, apenas cargos governamentais. Os governantes, portanto, devem estar submetidos às mesmas regras válidas aos governados.
Essa regra é oposta ao chamado governo do mais forte, no qual a lei é reflexo da vontade do governante. Ao aceitar o liberalismo político, a lei vira regra geral que serve à toda humanidade.
O problema que enfrentamos hoje é saber se a direita possível está restrita às mesmas regras. As arbitrariedades cometidas pelo governo Bush são notórias, e sua substituição do respeito ao consenso lockeano por uma política (principalmente externa mas que respinga internamente) de cunho realista e conservador no sentido continental colocou a esquerda em cheque. Só que essa esquerda não soube responder de maneira madura. As viúvas do comunismo saíram do armário, e o discurso left-liberal empoeirado dos anos 60 voltou à tona. But for god´s sake, o mundo é outro!
1-Bush não é racista. Seus dois secretários de Estado em seu governo foram negros: primeiro Colin Powell, atualmente Condolezza Rice.
2-Seu discurso não é apoiar ditaduras anti-comunistas como Pinochet. É derrubar regimes autoritários em países islâmicos e substituí-los por modelos de democracia liberal.
3-A guerra fria não teve nenhum conflito de verdade. No 11/09, os EUA foram violentamente atacados pela Al-Qaeda. E o que fez a esquerda? Disse "bem feito", como se os EUA tivessem que pagar por culpas históricas. O que deveria ser feito com os alemães, responsáveis pelo nazismo e comunismo, então?
4-No meio do século passado, socialdemocratas, democratas socialistas e outras vertentes da esquerda eram injustamente acusadas de comunismo. Na primeira década do século XXI, não há essa confusão: o inimigo é o fascismo islâmico, distinto do islamismo que aceita os valores ocidentais, principalmente o secularismo.
5-A ONU não foi usada como palco para que os interesses dos EUA fossem impostos. Ao contrário, foi nessa organização em que o governo Bush não encontrou eco perante a comunidade internacional para que fosse realizada a guerra contra o Iraque.
Esses 5 dogmas, além de outros, são os mais repetidos pela esquerda mundial. Essa conjunção de idiotices retirou da mesma qualquer dose de realismo, qualquer possibilidade para que fosse articulada uma alternativa à esquerda, uma alternativa que clamasse pelo respeito aos princípios básicos do liberalismo político. E esse irrealismo da esquerda democrática fez com que o pêndulo da democracia balançasse para a direita. E uma democracia desequilibrada tende à tirania. A batalha de Bush igualou-se tanto à defesa da liberdade que qualquer oposição à sua política passou a ser vista como bobagem idealista. E esse é o grande perigo: ausência de oposição de fato leva ao extermínio da alternativa de direito. E sem a oposição teórica, o realismo passa a justificar todo e qualquer ato que contradiga o plano.
E não colabora em nada a persistente ignorância econômica da esquerda. Sua oposição ao livre comércio, a defesa de direitos trabalhistas que só favorecem o desemprego, a irracionalidade da previdência pública, os impostos draconianos, a rigidez burocrática do estado de bem estar. A esquerda vive, hoje, no mundo da lua. Não nego que essa ignorância também esteja presente no populismo de direita, mas a esquerda se esforça mais em ser ignorante nesses assuntos.
Nesse ponto, há também uma inversão importante: enquanto que no período 1945-1979, os liberais eram tidos como teoricamente consistentes e os keynesianos os homens práticos, desde 1980 o keynesianismo transformou-se em matéria preferida de cientistas presos em torres de marfim, enquanto a tese do mercado como melhor meio de alocar recursos passou a ser considerada elemento chave na política econômica, casada com o monetarismo da escola de Chicago. Em resumo, antes o mercado funcionava na teoria mas falhava na prática; hoje, nenhum economista-cientista consegue fazer o mercado funcionar na teoria(e Hayek argumentaria que é impossível, só que para ele isso é positivo)mas este funciona, e muito bem, na prática.
(continua)