19 de ago. de 2006

É o liberalismo, estúpido

A velha esquerda não possui mais nenhum nome. Galbraith morreu esquecido. Chomsky não é mais levado a sério. Hobsbawm não espera mais nada da humanidade a não ser a auto-destruição. Bourdieu tentou, mas não conseguiu desenvolver uma política que fugisse dos lugares-comuns. O movimento anti-globalização foi varrido pela marcha da economia, dinâmica e insaciável. O Fórum Social Mundial não consegue produzir nenhuma alternativa, seja teórica, seja prática. Virou um reduto do anti-americanismo e do fascismo bolivariano.
O que quero dizer com tudo isso, afinal? A esquerda possível é aquela que abraça o liberalismo político, ou aquilo que gosto de chamar consenso lockeano. E em que consistiria esse consenso? Na simples fórmula:
-não existem governantes, apenas cargos governamentais. Os governantes, portanto, devem estar submetidos às mesmas regras válidas aos governados.
Essa regra é oposta ao chamado governo do mais forte, no qual a lei é reflexo da vontade do governante. Ao aceitar o liberalismo político, a lei vira regra geral que serve à toda humanidade.
O problema que enfrentamos hoje é saber se a direita possível está restrita às mesmas regras. As arbitrariedades cometidas pelo governo Bush são notórias, e sua substituição do respeito ao consenso lockeano por uma política (principalmente externa mas que respinga internamente) de cunho realista e conservador no sentido continental colocou a esquerda em cheque. Só que essa esquerda não soube responder de maneira madura. As viúvas do comunismo saíram do armário, e o discurso left-liberal empoeirado dos anos 60 voltou à tona. But for god´s sake, o mundo é outro!
1-Bush não é racista. Seus dois secretários de Estado em seu governo foram negros: primeiro Colin Powell, atualmente Condolezza Rice.
2-Seu discurso não é apoiar ditaduras anti-comunistas como Pinochet. É derrubar regimes autoritários em países islâmicos e substituí-los por modelos de democracia liberal.
3-A guerra fria não teve nenhum conflito de verdade. No 11/09, os EUA foram violentamente atacados pela Al-Qaeda. E o que fez a esquerda? Disse "bem feito", como se os EUA tivessem que pagar por culpas históricas. O que deveria ser feito com os alemães, responsáveis pelo nazismo e comunismo, então?
4-No meio do século passado, socialdemocratas, democratas socialistas e outras vertentes da esquerda eram injustamente acusadas de comunismo. Na primeira década do século XXI, não há essa confusão: o inimigo é o fascismo islâmico, distinto do islamismo que aceita os valores ocidentais, principalmente o secularismo.
5-A ONU não foi usada como palco para que os interesses dos EUA fossem impostos. Ao contrário, foi nessa organização em que o governo Bush não encontrou eco perante a comunidade internacional para que fosse realizada a guerra contra o Iraque.
Esses 5 dogmas, além de outros, são os mais repetidos pela esquerda mundial. Essa conjunção de idiotices retirou da mesma qualquer dose de realismo, qualquer possibilidade para que fosse articulada uma alternativa à esquerda, uma alternativa que clamasse pelo respeito aos princípios básicos do liberalismo político. E esse irrealismo da esquerda democrática fez com que o pêndulo da democracia balançasse para a direita. E uma democracia desequilibrada tende à tirania. A batalha de Bush igualou-se tanto à defesa da liberdade que qualquer oposição à sua política passou a ser vista como bobagem idealista. E esse é o grande perigo: ausência de oposição de fato leva ao extermínio da alternativa de direito. E sem a oposição teórica, o realismo passa a justificar todo e qualquer ato que contradiga o plano.
E não colabora em nada a persistente ignorância econômica da esquerda. Sua oposição ao livre comércio, a defesa de direitos trabalhistas que só favorecem o desemprego, a irracionalidade da previdência pública, os impostos draconianos, a rigidez burocrática do estado de bem estar. A esquerda vive, hoje, no mundo da lua. Não nego que essa ignorância também esteja presente no populismo de direita, mas a esquerda se esforça mais em ser ignorante nesses assuntos.
Nesse ponto, há também uma inversão importante: enquanto que no período 1945-1979, os liberais eram tidos como teoricamente consistentes e os keynesianos os homens práticos, desde 1980 o keynesianismo transformou-se em matéria preferida de cientistas presos em torres de marfim, enquanto a tese do mercado como melhor meio de alocar recursos passou a ser considerada elemento chave na política econômica, casada com o monetarismo da escola de Chicago. Em resumo, antes o mercado funcionava na teoria mas falhava na prática; hoje, nenhum economista-cientista consegue fazer o mercado funcionar na teoria(e Hayek argumentaria que é impossível, só que para ele isso é positivo)mas este funciona, e muito bem, na prática.
(continua)

Um comentário:

MichElle Woods Callas-Bracho Tsukino disse...

Com todo o respeito, mas me faça um favor: quando os americanos falarem a sério em promover uma mudança de regime na Arábia Saudita, em Omã, nos Emirados Árabes, no Paquistão, no Turcomenistão, ou em qualquer outra ditaduta apoiada por eles, por favor me avise.