27 de jan. de 2007

Comentando os comentários

Neo ludista comentou minha idéia de livro sobre o capitalismo puro. Postarei o comentário dele, intercalado com as minhas respostas:

"Já eu considero que a falha dos defensores do capitalismo é jamais vislumbrar o seu fim, como se ele fosse o final da História"

Com exceção do Fukuyama, nunca vi ninguém que considerasse o capitalismo como fim da história(e a tese de Fukuyama se refere mais à democracia do que propriamente ao capitalismo). Na verdade, nada proíbe que daqui a algumas décadas o socialismo ressurja, mesmo em países mais desenvolvidos. E quem vislumbrava fim da história eram socialistas e progressistas, que consideravam o capitalismo como sistema historicamente obsoleto. Marx, por exemplo, considerava que o socialismo era inevitável, a conclusão da história humana. Inclusive um dos mais importantes liberais do século XX, Karl Popper, escreveu vários textos condenando qualquer profecia histórica. Os defensores do capitalismo não usam o argumento histórico para defendê-lo, usam critérios normativos.

"embora ele talvez venha a ser, se conseguir destruir os recursos naturais a tempo, estamos indo por esse caminho, basta os chineses consumirem como os americanos."

A espécie humana invariavelmente vai desaparecer, mais dia menos dia. A nossa única alternativa é produzir mais e mais riquezas, para tentar sobreviver o maior tempo possível. E é só observar os incríveis resultados que alcançamos nos últimos 200 anos para constatar que estamos indo relativamente bem: a expectativa de vida deu um salto fantástico, a mortalidade infantil despencou, a renda per capita mundial cresceu assustadoramente.

"O socialismo mostrou-se repressor das liberdades individuais em nome do coletivismo. O capitalismo mostrou-se eliminador da ação coletiva em nome do individualismo."

Mas no capitalismo você é livre para se engajar com outros indivíduos em atividades de grupo.

"E individualismo sem individualidade, o mundo inteiro tem cada vez mais a cara dos EUA."

Olha, isto me parece apenas um chute monstro que não tem a menor base. E, além disso, os EUA são um país tão diverso que você me dizer que o mundo está cada vez mais a cara dos EUA só me faz concluir que o mundo está mais plural.

"Quanto à sociedade de castas e ao escravismo, bem, estamos falando do capitalismo, não é mesmo? As mesmas famílias detêm os mesmos de produção e passam para seus filhos, em geral brancos. Qual o mérito de nascer na "família certa"?"

Primeiro que a busca da meritocracia é a base do socialismo, não do capitalismo. No mercado, o indivíduo é remunerado de acordo com a produtividade do seu trabalho. Segundo, é justamente a diferença fundamental entre capitalismo e escravismo/sociedade de castas o fato de que no capitalismo existe mobilidade social, ou seja, há um probabilidade menor do que 1 de que um indivíduo filho de pobres seja pobre. Já na sociedade de castas, a probabilidade de alguém pertencente a uma casta inferior subir de vida é 0(só existe mobilidade de uma casta superior para um inferior), enquanto na escravista a probabilidade de um senhor se tornar escravo é 0(só existe mobilidade no sentido de que alguns escravos deixam de ser escravos). Esta é a situação que encontramos no capitalismo puro. Mas, como eu disse, talvez possamos ter uma situação mais desenvolvida numa espécie de capitalismo impuro, com programas governamentais que garantam a igualdade contra certas adversidades, aumentando a mobilidade de uma dada sociedade. Por exemplo, garantir que todos os indivíduos sejam alfabetizados.

"E trabalhar 8 horas por dia e passar 3 horas no trânsito é diferente de escravidão? Em que 50 por cento das pessoas odeiam seu trabalho e 30 suportam? Num mundo ideal não haveria fim de semana, para que parar de fazer o que eu gosto de fazer? Mas na prostituição trabalhista atual, é necessário, se não quando essa gente vai consumir?"

Explique-me como funcionaria este mundo ideal e podemos conversar. Você realmente não vê diferença entre alguém que trabalha por um determinado salário e um escravo? O indivíduo que recebe o salário é livre para gastar no que quiser. Já o escravo é dependente da vontade do seu senhor.

"Não sei, é preciso uma dose de ingenuidade muito grande para achar que o status quo é o máximo que a humanidade pode atingir."

Apresente argumentos ao invés de desqualificar a posição do oponente. Se quiser debater, ok, mas precisa considerar que a sua opinião pode não coincidir com a verdade. Se você não é capaz de tal movimento, sinto muito, mas este blog não é para você.

26 de jan. de 2007

Orto-doxia

Se alguém considera que os mecanismos de mercado são suficientes para garantir que um determinado resultado seja alcançado e a previsão não se realiza, o sujeito é chamado de fanático do livre-mercado. Já se alguém é a favor de uma intervenção estatal qualquer cujas conseqüências se revelam nefastas, nada acontece com ele. Ao contrário, pode inclusive ser elogiado pelo seu ecletismo, pelo seu zigue-zague teórico que apenas sustenta a velha retórica de sempre.

É verdade que os mecanismos de mercado não são, muitas vezes, suficientes para garantir um resultado que consideramos satisfatório. Como já disse anteriormente, estes mecanismos funcionam cercados por uma série de instituições, e o funcionamento das mesmas é fundamental para um melhor ou pior resultado obtido através deles. E a estrutura do mercado em questão também é fundamental para sabermos que tipo de resultado será produzido por mecanismos como competição, preço, lucro e salários.

Mas o fato do mercado operar dentro de uma estrutura que o supera não significa que a sua existência possa ser negada, ou o seu funcionamento fundamental modificado.
Financiando o liberalismo - lista de universidades federais

Região Norte(18 senadores e mínimo de 48 deputados federais)

Região Nordeste(30 senadores e mínimo de 80 deputados federais)

Região Centro-Oeste(12 senadores e mínimo de 32 deputados federais)

Região Sudeste(12 senadores e mínimo de 32 deputados federais)

Região Sul(9 senadores e mínimo de 24 deputados federais)

25 de jan. de 2007

Comentando os comentários - comentários adicionais

Esclareço, desde já, o post anterior, para desfazer prováveis dúvidas:

A pergunta do Kenji foi: "E os monopólios privados mantidos à força pelo Estado?" . Eu respondi: "o Estado só pode estabelecer o monopólio de uma empresa privada se advogar para si a participação exclusiva naquele setor."

Alguém pode pensar que, quando uma empresa é escolhida para ofertar um serviço para o Estado, este esteja garantindo uma posição monopolista para a mesma. Claro, em certo sentido esta empresa é monopolista, pois o Estado estabeleceu, por contrato, que seria esta empresa e não outra a fornecer tais serviços para ele. Não entro no mérito quanto ao conteúdo deste contrato, nem em relação aos critérios usados para o Estado escolher a empresa, muito menos sobre possíveis revisões da parceria.

Mas, num sentido mais amplo, esta empresa NÃO é monopolista, visto que os agentes privados podem escolher outras empresas para ofertar o mesmo serviço que a empresa contratada pelo Estado. Os contratos entre empresas privadas e Estado são um assunto importantíssimo, mas que não entra neste tópico.

Nem se pode concluir, a partir do meu post, que só exista monopólio privado quando mantido pela ação estatal. Eu apenas disse que o Estado ajuda a manter um monopólio privado somente quando, já estabelecido que é o Estado a instância superiora a decidir quem fornecerá os serviços naquele mercado, ele concede o direito de ofertar o serviço a uma empresa privada qualquer. Direito este que pode ser revogado. Não pelo mercado, mas pelo Estado.

Há casos em que um monopólio privado se constitui sem que exista intervenção estatal no sentido de criá-lo, ou de perpetuá-lo. Claro, pode-se sempre alegar que esta ou aquela medida estatal ajuda a criar, mesmo que indiretamente, uma situação de monopólio. Não nego que seja um estudo interessante, só acho que não se pode descartar a possibilidade de uma situação de monopólio surgida meramente a partir do funcionamento dos mecanismos de mercado.

Alguns economistas alegam que certos mercados possuem limitações físicas, espaciais ou técnicas que limitam a possibilidade de expansão do número de ofertantes no mercado. Mercados específicos, como os de rádio e televisão, chegariam a limitar, de maneira mais ou menos exata, o número máximo de agentes que poderiam operar naquele setor. Muitos alegam que, devido a esta limitação dos mecanismos de concorrência, deveria caber ao governo a decisão de quem pode operar ou não naquele mercado. Uma empresa operaria, no caso, através de concessão, que poderia inclusive ser caçada. Mesmo neste caso, estaríamos falando mais de um mercado oligopolizado do que propriamente monopolista. E estes economistas alegam que a falta de concorrência se daria com ou sem a presença do governo, que apenas tentaria melhorar o resultado de mercado. Eu realmente não tenho conhecimentos mais aprofundados nesta área e, apesar de achar bastante discutíveis alguns alicerces sob os quais estas propostas são construídas, não igualo a concessão governamental com o monopólio exercido ou cedido pelo Estado.

Outro tópico que não pode ser confundido nem com o monopólio estatal ou com a questão das concessões é o debate sobre licenças. A licença, ao contrário da concessão, não possui um número limitado de emissões. A licença apenas estabelece que, para ser permitido a alguém ofertar determinado serviço, este agente deve preencher requisitos mínimos. Claro, dependendo do tipo de exigência que é feita para alguém conseguir uma licença, podemos chegar numa situação tal que o mercado se torne oligopolizado ou mesmo, em certos casos extremos, monopolista.

Tanto a questão das concessões quanto a das licenças podem e devem ser questionadas por uma agenda liberal na economia, mas não podem ser tratadas da mesma forma que a questão do monopólio estatal, exercido ou cedido.
Comentando os comentários

André Kenji pergunta, sobre o post acerca do monopólio estatal: " Só os monopólios estatais? E os monopólios privados mantidos à força pelo Estado?"

Sim, só os monopólios estatais, visto que o Estado só pode estabelecer o monopólio de uma empresa privada se advogar para si a participação exclusiva naquele setor.
Da força do hábito

Há um certo comodismo em criticar a opinião alheia, que é fugir de analisar a sua própria opinião. Tão certo está da estupidez do outro que não perde tempo analisando a sua. Sua opinião é a certa e a dos outros, uma variação do erro.

Um debate produz a verdade muito menos pela vontade dos debatedores do que pelas regras do confronto. O debatedor pode querer apenas vencer, mas se as regras o forçam a buscar a verdade para tal, então ele joga o jogo desta forma, como se precisasse buscar a verdade para vencer, quando na verdade precisa apenas convencer o outro. Os debatedores buscam, de maneira geral, entrar em debates que sabem, de antemão, já ganhos. Da mesma forma que uma empresa busca agir em mercados em que ela não seja desafiada, ou que possua apenas competidores fracos. Ela não precisa oferecer um bom produto para lucrar, mas é forçada pelos mecanismos da competição a agir desta forma.
Idéia de livro

Eu já tive várias idéias de livros, algumas ficaram para trás e outras ainda são alimentadas. Dentre as que ainda resistem, uma delas se refere a diferenciar o funcionamento lógico de uma sociedade capitalista pura das suas demais alternativas. Nem acho que o liberalismo seja equivalente a defesa de um sistema capitalista puro, até porque a busca de um sistema que seja puro não combina muito com a postura um tanto quanto cética do pensamento liberal. Mas, como ferramenta analítica, um sistema de capitalismo puro é extremamente útil para desvendarmos melhor o funcionamento da sociedade. Inclusive para estabelecermos que, mesmo que não consideremos o sistema capitalista puro como a melhor alternativa e acabemos por defender alguma espécie de capitalismo impuro, temos que reconhecer que o capitalismo puro é muito, muito superior a várias das alternativas propostas. O que não significa que seja melhor do que todas.

Muitos dos críticos do capitalismo puro caem no equívoco de equivaler capitalismo puro e socialismo como duas espécies do mesmo erro. Mas isto é sem cabimento. Mesmo que consideremos o capitalismo puro como algo repugnante, não existe nenhuma base possível para equivaler seus resultados, tanto éticos quanto econômicos, com aqueles alcançados pelos regimes socialistas. A diferença é abismal, a preferência me parece óbvia. Eu pessoalmente acredito que os capitalismos possíveis são superiores aos seus sistemas alternativos, como escravismo, sociedade de castas e socialismo.

Vejo que muitos dos opositores do capitalismo o fazem mais em oposição ao capitalismo puro do que propriamente em defesa dos regimes alternativos. Mas mesmo esta oposição é mal-feita, visto que quase nunca chegam a vislumbrar como seria, de maneira efetiva, o funcionamento de um capitalismo puro. Apenas equivalem o capitalismo existente com capitalismo puro e aderem a alguma alternativa, qualquer alternativa.
Capitalismo

O que as pessoas entendem por capitalismo quando dizem que não são socialistas mas que isto não significa apoiar o capitalismo? Querem que o estado garanta a oferta mínima de certos bens que, se dependesse do mercado, poderiam ou não atingir aquele nível? Querem que o Estado garanta uma demanda maior por um determinado serviço que, se dependesse apenas das rendas que os indivíduos auferem no mercado de trabalho, seria menor do que a desejável? Querem que os problemas de externalidade sejam enfrentados de frente?

Ou significa apoio a desejos sem sentido como "preço justo", "salário digno", "lucro não-abusivo", "distribuição igualitária da renda"?

24 de jan. de 2007

Liberalismo não é elitismo - versão ampliada

Como eu coloquei anteriormente, o liberalismo defende que, mesmo que consideremos as decisões ou crenças alheias como estúpidas, não podemos proibi-las simplesmente porque as consideramos estúpidas. E há uma boa razão para isto.

O liberalismo não compartilha com o pós-modernismo acadêmico a crença de que não exista verdade. O que a doutrina liberal defende é algo bem distinto: toda teoria, conjectura ou afirmação pode ser questionada. Se uma idéia realmente for verdadeira, será capaz de convencer aqueles que até agora não acreditam nela*. Se, no entanto, ficar demonstrada a sua falsidade, poderemos adotar outra em seu lugar.

Imaginemos, no entanto, que rejeitamos o pensamento liberal e defendemos que a verdade, ou pelo menos certas doutrinas que consideramos verdadeiras, devem ser impostas, e a defesa de teorias falsas(ou comportamentos baseados nestas teorias) deva ser proibida. Todos concordam que é melhor seguir uma teoria que seja verdadeira do que uma que seja falsa, portanto usar a força para obrigar o indivíduo a aderir a uma teoria verdadeira não é uma agressão, mas uma melhora em relação ao seu estado anterior.

O problema deste tipo de pensamento é que se acaba julgando a proposta pela intenção em alcançar determinado objetivo, e não pela efetividade em alcançá-lo. Por exemplo, da intenção em impor uma teoria que seja verdadeira, não se deduz que somente tentará se impor teorias que sejam verdadeiras.

Façamos uma comparação. A quase totalidade de uma sociedade (A) acredita que determinada teoria é verdadeira, mas na verdade esta teoria é falsa. A sociedade (B) resolve tornar esta mesma teoria como oficialmente verdadeira. Na primeira, quase todos acreditam que aquela teoria é verdadeira, apesar de existirem alguns que acreditam em sua falsidade. Na segunda, apesar de existirem pessoas que também questionam a teoria, elas são obrigadas a consumir a mesma.

Depois de um certo tempo, o que acontecerá? Alguns indivíduos que acreditavam naquela teoria, na sociedade (A), passam a questioná-la, seja devido aos resultados obtidos pelos indivíduos que acreditavam em outras teorias, seja pelo exame crítico das teorias alternativas. Já na sociedade (B), a descrença maior ou menor dos indivíduos em relação à veracidade da teoria não modifica o fato de que ela seja compulsória e, portanto, todos os indivíduos terão que consumí-la, não importa o quanto ela se prove errônea para um indivíduo ou um grupo em particular.

Ou seja, a proposta de que podemos impor idéias (ou comportamentos baseados em idéias) que consideramos verdadeiras não vislumbra o que pode ocorrer se acabarmos por impor idéias que, se no processo de sua implementação eram consideradas como verdadeiras, futuramente se revelam equivocadas.

*Este mecanismo não implica que todo indivíduo faça este exame crítico. A maior parte de nossas crenças não foram analisadas criticamente por nós, mas herdadas da nossa tradição cultural ou do exame crítico alheio, através dos mais variados mecanismos. De qualquer forma, mesmo que não façamos este exame diretamente, fica a questão de saber se os indivíduos dos quais herdamos a maior parte das nossas opiniões são livres para exercer a crítica.

23 de jan. de 2007

Agenda liberal - a parte econômica 2

O terceiro ponto é acabar com todos os monopólios estatais. Esta é uma questão distinta de defender ou não a existência de empresas estatais. Por que eu não posso criar uma empresa para concorrer com os Correios? Por que as empresas estatais precisam atuar em condições de monopólio? Acaso o ensino estatal não concorre com o ensino privado?

22 de jan. de 2007

Liberalismo não é elitismo 2

Um liberal pode achar, como eu acho, uma estupidez a classificação dos seres humanos por raça, ridículo considerar homossexuais como inferiores ou bisonho defender que o Holocausto não ocorreu. Mas um liberal não pode proibir alguém de ser estúpido, pode no máximo tentar convencê-lo da sua estupidez. Se for permitido, para mim, proibir a estupidez alheia, o que impedirá que outros proibam comportamentos meus que consideram estúpidos?
Liberalismo não é elitismo

Liberalismo NÃO é elitismo. Liberalismo é respeitar as escolhas individuais, mesmo de pessoas que consideramos inferiores. Claro, há uma divisão entre adultos e infantes, entre pessoas mentalmente sãs e pessoas com problemas mentais, que é sempre arbitrária, mas é uma divisão que possui sentido, que é de gradação, não de oposição. Uma criança ou uma pessoa com problemas mentais não são animais que podem ser tratados de qualquer forma. São pessoas que, devido a sua capacidade limitada de assumir responsabilidades, devem ter sua liberdade restringida. Mas um adulto são deve ser LIVRE para escolher o que fazer da sua vida. E ninguém, ninguém, está autorizado a interferir na vida alheia simplesmente porque discorda da forma como ela é vivida.
Agenda liberal: a parte econômica I

Esclarecida a importância do liberalismo econômico, entro em detalhes de um agenda positiva de reforma.

O primeiro ponto é permitir o funcionamento dos mecanismos de mercado. A idéia de que o mercado é fruto da ação humana, mas não da intenção humana, é central para entender o seu funcionamento. Variáveis como preço, lucro e salário só fazem sentido quando analisadas dentro da estrutura de mercado, que é fruto da interação entre os homens, mas cujo resultado efetivo não foi planejado por nenhum dos agentes. Quando falamos "a decisão deve ser deixada a cargo do mercado", não estamos nos referindo a nenhuma entidade consciente que toma decisões, mas sim de um resultado que é produzido por indivíduos conscientes de seus atos, mas não-conscientes de todos os seus efeitos. Confesso que este é um nível de abstração que me deixa um tanto quanto confuso, incrédulo até. A maioria dos economistas se beneficiam do ferramental matemático para entender este funcionamento. Mas o mérito de explicar este fenõmeno em palavras é do pensador austríaco Hayek, que se utilizou de toda uma tradição de estudos sobre ordem espontânea para formulá-la.
Expressões como "preço justo", "lucro excessivo", "salário baixo" são desprovidas de sentido fora dos dados fornecidos pelo próprio mercado. Um preço "justo" é aquele que encontramos de maneira rotineira no mercado, um lucro "excessivo" é aquele que foge da taxa de lucro esperada pelos agentes, um salário é considerado "baixo" se está abaixo da remuneração corrente de uma dada atividade. O governo nada tem a fazer nesta área, visto que o mercado cria e destrói expectativas, faz parte da sua própria "natureza" operar desta forma.
O segundo ponto é a defesa incondicional do livre comércio, de maneira unilateral. O país que pratica protecionismo apenas se prejudica. É nonsense praticar protecionismo em represália, pois isto nos prejudica também! É verdade que o protecionismo alheio nos prejudica no sentido de evitar que ocorram relações voluntárias que nos seriam benéficas, mas a partir disto defender que também proibamos outras relações voluntárias apenas piora nossa situação. O protecionismo só é justificável em situações de guerra eminente.
Agenda liberal: a parte econômica - uma introdução

Recentemente tratei da parte de uma agenda liberal que não focasse em temas estritamente econômicos. Ressaltei os seguintes temas: 1-legalização da venda de todas as drogas; 2-fim da regulação do exercício de profissões que não colocam a vida de ninguém em risco; 3-revisão da atual legislação de calúnia e difamação, com intenção de evitar seu uso para chantagem financeira; 4-criação de um canal de denúncias dos abusos policiais, que devem sempre agir de acordo com a lei; 5-revisão do instituto da liminar, incorporando toda decisão judicial como modificação marginal do corpo legislativo, que deve criar e não destruir expectativas; 6-reforma do sistema eleitoral, com a adoção do voto facultativo, distrital puro e cláusula de barreira com permissão para candidatos sem partido; 7-vincular o reajuste salarial dos políticos à variação real da renda per capita.
Peço, novamente, que me alertem se eu estiver esqueçendo de algum ponto fundamental. Enquanto não recebo mais sugestões, entro no terreno da economia. Concordo com o professor Orlando Tambosi quando ele critica certo pendor demasiado economicista, no Brasil, da crítica liberal. Mas este pendor também é reflexo, em parte, do fato de que o debate público se encontrar um tanto quanto anacrônico por aqui. De 1917 até os anos 70, aprendemos que a liberdade econômica é condição necessária para a realização da liberdade individual. De 1970 até 1990, que não é condição suficiente. E, nos últimos 15 anos, que o mercado está embebido numa série de instituições que, dependendo do seu desempenho, fazem com que ele funcione melhor ou pior. Aprendemos os riscos da democracia ilimitada, que leva à tirania, não da maioria, pois a maioria é mutante, mas à tirania dos grupos de pressão organizados, verdadeiras peças enferrujadas na engrenagem da formação de novos consensos.
Infelizmente, no Brasil, ainda são numerosos os grupos que negam a importância da liberdade econômica para a realização do indivíduo. Como a liberdade econômica não garante a liberdade individual, e estes grupos buscam a garantia eterna, se arriscam a apoiar intervenções violentas no funcionamento dos mecanismos de mercado, em busca de suas utopias. Comparam os resultados de um regime existente há cerca de 200 anos e que reconhecidamente trouxe progresso material para a humanidade, com uma idéia de sociedade que, quando colocada em prática, levou a desastres sucessivos. Não se preocupam, portanto, com a engenharia institucional que tem como objetivo melhorar o funcionamento das instituições, nem vêem problema algum nos grupos de pressão, desde que sejam os seus grupos de pressão.
É verdade que estes grupos não são fortes o suficiente para elegerem o presidente - não são fortes nem mesmo para se aproximarem minimamente de uma maioria no Congresso. Mas são fortes para criar uma retórica -que é usada, amplamente, pelos políticos eleitos, quando esta retórica é útil para eles. E a retórica só é útil se tiver eco perante a população.
Se não conseguimos compreender a importância da liberdade econômica para a liberdade individual(sem que isso represente, como já notado anteriormente, um descuidado com a liberdade individual considerada em si mesma), se não enfatizamos a importância da engenharia institucional, se não demonstramos que a democracia ilimitada só interessa aos grupos de pressão, enfim, se fracassamos por completo, transformamos o jogo político num jogo entre grupos de pressão, que usarão a lei para atingir os seus objetivos particulares, defendendo intervenções no funcionamento de mercado quando estas o beneficiarem. O que poucas pessoas percebem é que, apesar dos grupos de pressão possuírem uma influência maléfica, eles só são bem sucedidos porque a nossa legislação permite que eles ajam dessa forma. Eles não precisam operar ilegalmente, embora muitas vezes o façam. Eles operam dentro da lei, nada fazem de errado. O erro está na lei, que é desenhada esperando o melhor comportamento dos agentes, quando na verdade deveria esperar o pior, pois o melhor é contingente, pode ocorrer ou não.
Por isso uma agenda verdadeiramente liberal na economia, que não seja acidental mas coerente, radical sem ser inconseqüente, se faz absolutamente necessária. Se opor ao impossível, que é o que fazem certos grupos quando se opõem ao socialismo e ao dirigismo estatal, é muito pouco, visto que o intervencionismo é pernicioso justamente porque é um sistema possível, eu diria até mesmo que é o único sistema politicamente viável numa democracia ilimitada. Ser liberal quando se opõem ao impossível e, quando possível, ser anti-liberal, eis o lema de nossos políticos.

21 de jan. de 2007

Financiando o liberalismo

O leitor Reginaldo Almeida escreveu: "Por que não montar uma ONG que recebesse doações e comprasse tiragens de livros clássicos e os doasse a bibliotecas públicas e escolas? Liberalismo também é altruismo. Eu pagaria do meu bolso se soubesse que era para garantir um país melhor para mim (quando voltar) e para os meus filhos. "
Eu acredito que não precisamos criar uma ONG para isto. A burocracia de uma ONG apenas complicaria nossa vida.
Mas eu também estou dentro. Financiaria, com prazer, a compra de livros clássicos para garantir o seu acesso ao grande público.
E estes livros seriam doados para quem? Não para todas as bibliotecas, muito custoso e pouco produtivo. Penso, em primeiro lugar, nas universidades. Mas não qualquer universidade, penso nas universidades públicas. Em primeiro lugar, as universidades federais. Garantir que cada uma delas tenha estes livros. Em segundo lugar, as universidades estaduais, como desdobramento do esforço inicial de doação destes livros para as federais. E, mais tardiamente, as bibliotecas dos grandes colégios que possuam Ensino Médio, públicos e privados.
Claro, se algum Instituto quiser financiar a nossa iniciativa, aceitaremos de bom grado. Mas quem decidirá os livros a serem distribuídos seremos NÓS, e não o Instituto. Nada de livros escritos por políticos que se travestem de intelectuais, ou de intelectuais que se travestiram de políticos para depois se travestirem tardiamente de intelectuais, vazios e sem conteúdo algum.
Já temos duas pessoas interessadas em financiar este projeto, eu e o Reginaldo. Mais alguém?
Tony Blair - Should I Stay or Should I Go