30 de dez. de 2006

A crítica da oportunidade - parte 2

Como tentei colocar no final do post anterior, não acredito que se possa garantir uma igualdade de oportunidade, apenas a ausência de impedimentos para que o indivíduo possa ocupar uma determinada posição na sociedade. Ou seja, devemos entender a questão da oportunidade como uma tentativa de garantir a maior mobilidade social possível.

E como fazer isso? Em primeiro lugar, os impedimentos legais devem todos ser abolidos. Com isso não quero dizer que qualquer pessoa possa ocupar qualquer posição. Mas sim com que, se existirem restrições para que se exerça uma determinada atividade, que sejam baseadas em critérios que qualquer um seja capaz de se adequar aos mesmos. Por exemplo, se eu proibo uma criança de 10 anos de trabalhar, essa é uma restrição que vale para todo e qualquer indivíduo, pois todos são potencialmente capazes de ultrapassar a idade de 10 anos e ingressar no mercado de trabalho. Mesmo a exigência de qualificações técnicas para o exercício de determinadas atividades ainda possibilita a qualquer indivíduo que, se comprovada a sua capacitação, de exercer aquela atividade. Reconheço que essa é uma área polêmica, mas afirmo sem medo de que exigências técnicas devem ter como objetivo evitar que certos problemas persistam, e não restringir o número de pessoas legalmente permitidas a exercer aquela ocupação.

A questão é saber até que ponto o indivíduo pode modificar a situação na qual se encontra. Um menor de idade, por exemplo, pode não receber nenhuma educação porque seus pais simplesmente não fizeram uma poupança para financiar seus estudos. Portanto, apesar de ele ser livre de direito para ocupar qualquer posição na sociedade, ele é restrito de fato pelas suas incapacidades. O mesmo vale também para uma criança que sofreu com uma série de doenças e falta de alimento, pode vir a ser fisicamente limitada. Notem que sempre falo em princípios negativos, a saber, de considerar inaceitável a situação na qual o indivíduo se encontra, sem dizer em que situação específica ele deveria se encontrar. A ação governamental, no caso, sempre se dá sem determinar o resultado final da interação entre os indivíduos, mas sim, dado o resultado das interações, em eliminar ou resolver um estado de coisas considerado problemático.

Garantir que todos sejam alfabetizados nada nos diz sobre a qualidade específica da educação de cada um; combater a fome e a subnutrição não nos revela se existem crianças mais saudáveis do que outras. O ideal igualitário que está por trás da igualdade de oportunidades não pode ser realizado, apenas o ideal de igualmente privar os indivíduos de certas adversidades. Seria melhor, portanto, falar em termos de igualdade contra a adversidade do que da igualdade de oportunidade.

29 de dez. de 2006

A crítica da oportunidade - parte 1

Se a crítica marxista leva à rejeição absoluta do capitalismo, as críticas da discriminação e da oportunidade podem inspirar medidas reformistas, sem que o modelo capitalista precise ser abandonado. O problema é que os objetivos pretendidos são inalcansáveis e, na luta por realizá-los, pode-se acabar destruindo as próprias bases do capitalismo.

A crítica da oportunidade aceita o funcionamento da economia capitalista, mas rejeita a situação na qual nem todos possuem a mesma oportunidade na hora de disputar o seu papel com outros. Uma competição na qual nem todos os competidores largam do mesmo ponto de partida seria injusta.

Quando perguntado se o Estado poderia garantir a igualdade de oportunidade, Hayek mostrou-se cético e colocou uma questão fundamental: a oportunidade que o Estado oferece pode ser igual, mas isso não significa que a oportunidade final dos indivíduos será a mesma. Ou seja, a busca pela igualdade de oportunidades só pode alcançar a garantia de uma oportunidade igual mínima.

Por exemplo, ao garantirmos que todos numa determinada sociedade sejam alfabetizados, não significa que todos estarão igualmente qualificados em sua educação, mas sim que todos estarão iguais num determinado aspecto, o de serem alfabetizados.

Não que essa oportunidade mínima seja desprezível. Principalmente se imaginarmos que, em certas situações, existem impedimentos objetivos(fricções) que atrapalham a mobilidade social. Um indivíduo analfabeto, por exemplo, é objetivamente incapaz de exercer uma série de atividades. Sim, é verdade que todos nós somos objetivamente incapazes de exercer uma série de profissões. A questão é saber até que ponto nós podemos contornar essa situação em nossas vidas através de nossas escolhas, ou se nossas escolhas estão limitadas por essa situação.
O problema da crítica marxista

O grande problema da crítica marxista, na minha opinião, é que ela foca demais no fato de que a lei da propriedade beneficia apenas aqueles que possuem os meios de produção, ao mesmo tempo que ignora o fato de que QUALQUER UM possui a chance de atingir, algum dia, essa posição. É diferente, por exemplo, de uma sociedade de castas ou escravocrata. A questão é que essa mobilidade social se realiza apenas no longo prazo, e no curto prazo a impressão é de uma sociedade rígida. Por isso a crítica atual ao capitalismo se refere mais ao questionamento se REALMENTE qualquer um pode atingir uma posição melhor na sociedade, ou se essa é uma promessa não cumprida do capitalismo.

Um dos problemas da crítica à mobilidade no capitalismo é que a mesma ignora que a posição social, pelo menos no capitalismo, é sempre referencial. Ora, se alguém em posição inferior ultrapassa outro que está em posição superior, este passa a estar em posição inferior. O que quero dizer com isso? Simples: se todos que estão em posição inferior ultrapassarem os que estão em posição superior, isso não acaba com a existência de posições inferiores e superiores na sociedade. Num sentido ideal, a sociedade capitalista funciona de tal forma que é impossível prever a posição final do indivíduo numa dada sociedade. Mas, como dito anteriormente, isso se realiza apenas no longo prazo, sendo que muitas vezes o prazo é tão longo que ultrapassa a vida do indivíduo. Poderíamos qualificar as sociedades capitalistas de acordo com o seu grau de mobilidade, a saber, de acordo com a possibilidade de ascensão social de um determinado indivíduo. É preciso distinguir, no entanto, entre probabilidade menor que 1 de ascender socialmente e probabilidade zero de ascender, que é a situação existente nas sociedades de castas e escravistas*.

*mesmo nas sociedades escravistas há a possibilidade ascensão social, mas se dá mais no sentido do indivíduo deixar de ser escravo, sem que os indivíduos livres corram risco de se tornar um. Ou seja, a asecensão de um não indica a queda de outro. Nas sociedades de castas a situação é inversa: o indivíduo não pode subir de uma casta inferior para uma superior, mas pode decair. Só que sua decadência não significa o progresso de outro.
A crítica marxista

Continuando o tema do post anterior, faço um breve comentário da posição marxista, que não tinha percebido até então. Marx não é contrário, em tese, à noção de propriedade. É justamente o oposto, sua luta se dá em defesa da propriedade, a saber, da idéia de que o indivíduo é dono legítimo do resultado de seu trabalho. Para Marx, a propriedade dos meios de produção é uma garantia legal para a exploração capitalista, pois o trabalhador não seria remunerado de acordo com o que produziu, mas receberia menos. Por isso a propriedade, não em sentido geral, mas apenas dos meios de produção, deveria ser abolida, para por fim à exploração. É importante perceber que, no pensamento marxista, a noção de disparidade das riquezas é absolutamente marginal, pois não importa o tamanho do fosso entre o lucro dos donos do capital e o salário recebido pelos trabalhadores, mas sim que a mera existência dessa relação constitui, logicamente, um caso de exploração.

O problema do pensamento marxista é que o mesmo se baseia numa teoria equivocada, a saber, a de que a quantidade de trabalho empregada para produzir um bem determina o seu valor. Mas há um problema ainda maior: mesmo supondo que os meios de produção pertençam aos trabalhadores, teria que existir uma decisão final de como esses meios deveriam ser empregados. Uma casta administrativa teria que substituir o conjunto dos capitalistas.

28 de dez. de 2006

A(s) mentalidade(s) anti-capitalista(s)

Sempre gostei de Política. Não dessa politicazinha, com p minúsculo, a política partidária de mera disputa pelo poder. Mas da Filosofia Política, que lida com as idéias e instituições que caracterizam o que somos e o que podemos ser enquanto sociedade. É essa Política que, incidentalmente, fornece os argumentos com os quais a politicazinha nossa de cada dia é jogada.

Por isso a crítica das idéias é tão importante. O marxismo, por exemplo, passou quase 50 anos na quase absoluta irrelevância até que se tornasse o paradigma de uma era. O mesmo ocorreu, em menor escala, com o PT. Alguns podem ter sido surpreendidos com a vitória de Lula em 2002 e sua conseqüente reeleição em 2006. Tentarão explicar o seu sucesso devido à falta de informação dos eleitores(como se em alguma eleição os eleitores tivessem informação perfeita), ao uso político do Bolsa-Família(como se ele não tivesse ganho em todas as faixas de renda), ou à ignorância do povo(como se não tivesse apoio considerável no meio universitário). A verdade é que o PT levou a eleição por representar idéias que são dominantes na sociedade brasileira. Os fatores apontados anteriormente são marginais, pois não explicam a ascensão do partido nos últimos 20 e pouco anos.

Mas para criticar uma idéia é preciso, antes de tudo, entendê-la. E nada mais confuso do que o uso do termo capitalismo, de significação distinta para uma série de pessoas. E cuja rejeição se baseia nos mais variados argumentos, muitas vezes contraditórios entre si. Listo, a seguir, as críticas, totais ou reformistas, mais comuns ao capitalismo, para posterior crítica nesse blog. A minha exposição se dará nos termos comumente usados pelas pessoas que argumentam dessa forma, não significando que eu concorde com as colocações feitas a seguir.

1-a crítica marxista: para Marx, o valor de um bem é determinado pela quantidade de trabalho empregada para produzí-lo. No processo de produção capitalista, é dito pelos economistas burgueses que o indivíduo é remunerado de acordo com a produtividade do seu trabalho, em contraste com os sistemas anteriores nos quais existiam uma série de restrições à livre iniciativa. Mas, na verdade, esse sistema é baseado na exploração, pois para produzir é necessário possuir os meios pelos quais se produz(capital), e estes são detidos apenas por uma pequena parte da sociedade. O trabalhador, portanto, vende livremente sua mão de obra para o dono do capital, que não trabalha e mesmo assim possui uma remuneração final, chamada de mais-valia, que é auferida pelo fato de não se remunerar todo o trabalho feito, mas sim em pagar menos do que aquele trabalho vale. Somente quando os meios de produção pertencerem aos trabalhadores, a exploração chegará a um fim.

2-a crítica da discriminação: no capitalismo, o indivíduo é remunerado de acordo com a produtividade do seu trabalho, segundo os economistas burgueses. Mas, na verdade, uma série de fatores influenciam na remuneração. Mesmo dois indivíduos capazes de executar o mesmo trabalho com a mesma eficácia acabam por receber remunerações distintas. Isso ocorre porque há um processo de discriminação contra negros, homossexuais, mulheres, etc que reflete a cultura daquela sociedade. Portanto, mesmo que não exista uma discriminação oficial, a mesma está presente no mercado de trabalho.

3-a crítica da oportunidade: o problema do capitalismo está no fato de que, apesar do indivíduo ser remunerado de acordo com a produtividade do seu trabalho, essa produtividade é determinada apenas em parte pelo esforço do indivíduo, já que algumas pessoas tiveram oportunidade de aprender a ler, conhecer outras línguas, cursar uma universidade, etc, enquanto outras não viveram num ambiente propício para desenvolver suas capacidades. Quando essas pessoas competem por um emprego, portanto, a seleção reflete a distinção do ponto de partida.

4-a crítica dos valores: o grande problema do capitalismo é que os valores morais, antes absolutos, passam a ser julgados em termos monetários, ou seja, dependendo do retorno que determinada atividade possa dar, o indivíduo aceitará roubar, matar, enganar, se prostituir, etc. A busca pela recompensa material incentiva o comportamento imoral.

5-a crítica do consumismo: o problema do capitalismo é que os indivíduos deixam de pensar no seu próprio bem estar e gastam seus recursos com futilidades, influenciados pela propaganda das empresas.

6-a crítica da eficiência: o problema do capitalismo está no fato de que os recursos que poderiam ser usados para produzir bens de maior qualidade são desperdiçados em aspectos simbólicos. Ou seja, a alocação de recursos não produz um resultado objetivamente eficiente(um tênis de uma marca famosa que custa 200 reais a mais que um outro tênis de mesma qualidade), apenas subjetivamente.

7-a crítica da desigualdade: no capitalismo os recursos são alocados de maneira eficiente, mas são desigualmente distribuídos.

fraca: Se essa desigualdade for muito grande, haverá uma formação de classes no sentido marxista do termo, provocando a falência do capitalismo. É preciso, portanto, distribuir os recursos(principalmente renda) de tal forma que a demanda pela revolução não aconteça.


forte: somente o socialismo é capaz de distribuir os recursos com igualdade

8-a crítica do convencionalismo: é verdade que no capitalismo o desejo dos consumidores é satisfeito. Mas isso impede com que verdadeiros artistas, cujas obras não são populares, sejam financiados e produzam. O mesmo ocorre com a ciência, que não avança devido ao fato das empresas só se interessarem pela área aplicada e não pelo desenvolvimento da ciência pura. Por isso, para garantir a existência da arte e do progresso científico, o governo deve intervir.


Para os leitores: vocês lembram de mais alguma crítica anti-capitalista?

26 de dez. de 2006

História das idéias e contexto

Um dos motivos pelos quais eu tenho bastante receio em ler análises históricas é o descuido com que muitos historiadores, pensadores e jornalistas contextualizam os acontecimentos. A análise factual transforma-se em mera retórica que tenta provar um ponto, uma causa. É o problema das explicações ad hoc, que podemos popularmente traduzir como desculpas. Por isso traço, aqui, um panorama do desenvolvimento histórico que pode servir como base para a contextualização dos acontecimentos e das idéias importantes para as ciências sociais.

-o desenvolvimento da ciência estatística: apesar do mau uso que muitas vezes é feito dos dados, a fartura de indicadores é muito melhor do que a sua falta. Os pensadores políticos do passado possuíam, a sua disposição, dados rarefeitos e imprecisos. Precisavam, portanto, utilizar a imaginação e conjecturas arriscadas para suas análises da dinâmica social e dos problemas da ordem e da administração pública. Não que as conjecturas arriscadas tenham desaparecido do horizonte, na verdade eu diria que só o risco de erro torna uma teoria interessante. A diferença está no fato de que, hoje, devido à possibilidade de acompanhar o desenvolvimento de certas variáveis, o processo de refutação e o conseqüente aprimoramento de uma teoria é muito mais imediato. Por isso os pensadores mais antigos parecem tão dogmáticos e com idéias arbitrárias, quando na verdade faltavam para eles os dados necessários para que pudessem mudar de idéia e se aproximarem de uma maior convergência. No caso das ciências naturais, por exemplo, a ampliação da capacidade de observação que o desenvolvimento de instrumentos como microscópio e telescópio trouxe foi, sem dúvida, importante para o surgimento de novas e melhores teorias.

-a ampliação do universo intelectual: esse movimento se deu basicamente de duas formas. Por um lado, o número de pessoas que se engajam em atividades intelectuais, numa dada sociedade, aumentou de maneira considerável. Por outro, o contato intelectual entre diferentes sociedades passou a ser mais rotineiro, devido às melhoras dos meios de comunicação e da rede de transporte. A possibilidade de alguém nos prevenir de um movimento equivocado é muito maior hoje do que antigamente, e podemos nos aproveitar dos resultados das pesquisas de outras pessoas quando anteriormente precisaríamos, nós mesmos, desenvolver aquela pesquisa.
Projetos para o novo ano

História do pensamento filosófico: pré-socráticos, Platão, Aristóteles, Cícero, Aquino, Hobbes, Bacon, Descartes, Spinoza, Locke, Leibniz, Berkeley, Hume, Kant, Hegel, Schopenhauer, Marx, Nietzsche, Stuart Mill, Bertrand Russell, Wittgenstein, Carnap, Quine, Popper

História do pensamento econômico: o legado dos antigos, os últimos escolásticos, a escola fisiocrata, a escola clássica inglesa, os economistas franceses do século XIX, a Revolução Marginalista(Jevons, Menger, Walras), a escola austríaca, Marshall + Pigou, Pareto, Keynes, os keynesianos radicais(Robinson, Sraffa), Samuelson, Milton Friedman, Gary Becker, Coase, public choice(Tullock, Buchanan, Olson)

E mais: Kelsen, Bobbio, Dworkin, Rawls, Nozick, Elster, Cohen

25 de dez. de 2006

The Byrds - Turn Turn Turn (1965)


To every thing, turn, turn, turn
There is a season, turn, turn, turn
And a time to every purpose under heaven

A time to be born, a time to die
A time to plant, a time to reap
A time to kill, a time to heal
A time to laugh, a time to weep

To everything, turn, turn, turn
There is a season, turn, turn, turn
And a time to every purpose under heaven

A time to build up, a time to break down
A time to dance, a time to mourn
A time to cast away stones
A time to gather stones together

To everything, turn, turn, turn
There is a season, turn, turn, turn
And a time to every purpose under heaven

A time of love, a time of hate
A time of war, a time of peace
A time you may embrace
A time to refrain from embracing

To everything, turn, turn, turn
There is a season, turn, turn, turn
And a time to every purpose under heaven

A time to gain, a time to lose
A time to rend, a time to sew
A time to love, a time to hate
A time for peace, I swear it's not too late