Diante dos últimos acontecimentos que dispensam maiores apresentações, o tema da pena de morte voltou à tona. Reproduzo, neste espaço, um artigo que escrevi há 2 anos atrás. Não concordo mais com todas as colocações que fiz neste texto, particularmente com a minha análise superficial do pensamento lockeano, que na época me parecia trivialmente verdadeiro e que hoje considero altamente problemático, o que só me faz apreciar ainda mais o gênio deste grande inglês. Contudo, a minha oposição à pena de morte, bem como as razões que apresento, não se modificaram de maneira substancial. A única alteração que fiz do texto original foi reescrever alguns trechos para torná-los mais claros e menos redundantes. Não alterei nenhuma idéia que estava contida nele. Comentários são bem vindos.
"Pena de Morte
Um dos problemas mais graves que atingem atualmente nosso país é o da segurança pública. O Brasil é responsável por 10% dos homicídios que ocorrem no mundo, apesar de possuir menos de 3% da população mundial. Mudança nas leis, no modo de proceder da polícia e no funcionamento da justiça se fazem necessárias. E quando existe uma situação emergencial, pululam soluções simplistas e reducionistas, quase sempre de cunho moralista, que culpam a ausência de "certeza moral" ou algo do tipo pelo estado de coisas atual. Os governantes deveriam ser mais enérgicos no combate ao crime. Como se a questão se resolvesse simplesmente pela vontade de que o problema se solucione.
Várias ações são propostas, desde intervenção militar nos morros cariocas até a redução da maioridade, passando pela adoção da prisão perpétua e da pena de morte. Nesse artigo analisarei a justiça e a utilidade dessa última medida. Pois, se injusta, a pena de morte deve ser rejeitada, por mais útil que seja. E, se justa, não significa que necessariamente deva ser adotada, principalmente se suas conseqüências e desdobramentos forem tais que tragam mais desvantagens do que vantagens para o lado que a adota como prática. No caso, o Estado como provedor de segurança e justiça para a sociedade.
Antes de analisar a pena de morte como instrumento de segurança pública, creio que seja útil analisá-la como meio de segurança individual, para traçar posteriormente as diferenças existentes no uso da mesma nas duas esferas.
John Locke, no seu famoso livro "Segundo Tratado Sobre O Governo Civil", propõe um sistema jurídico baseado no chamado direito natural. E segundo tal sistema, o indivíduo possui autonomia sobre o seu corpo e propriedade, desde que respeite o direito alheio de proceder da mesma forma. Existem, no entanto, situações na qual o homem perde essa autonomia devido à ação de outrem, através por exemplo da fraude e do uso da força.
Quando é vítima de coerção, o homem perde a sua autonomia e está à mercê da vontade alheia. Ou seja, sua vida passa a pertencer ao outro, que pode fazer o que quiser com ela. É importante ressaltar esse ponto, muitas vezes esquecido em discussões envolvendo legítima defesa: a pessoa não sofre agressões enquanto obedecer ao outro (por vezes nem isso é o bastante); mas essa obediência existe devido a uma ameaça de retaliação, que constitui em si uma agressão. Quando o agressor diz "não quero te machucar", revela um desejo de não exercer a força, mas não a negação da possibilidade de usá-la pois, se assim fosse, não seria mais coerção. A pessoa oprimida pode, então, usar de todos os meios possíveis para recuperar sua autonomia.
Conclui-se então que a pena de morte é um meio justo de auto-defesa. Mas nem sempre é útil. Em certas situações sabemos ser improvável que o agressor cometa ações de conseqüências graves durante sua ação, ao passo que, reagindo, talvez estejamos correndo maiores riscos. Existe também a questão moral: agir implacavelmente contra um outro ser humano contribui para um enrijecimento do espírito e perda da sensibilidade.
Analisemos agora a pena de morte usada na esfera pública. A situação torna-se um pouco mais distinta. Não temos aqui a aplicação da pena de morte num tempo contíguo à situação. E isso provoca duas diferenças básicas: a percepçào da justiça da pena de morte não é tão clara, sendo necessária decidí-la por um processo burocrático. E a aplicação dessa pena, no caso, não evita diretamente crime algum, é acima de tudo punição.
O sistema judiciário pode errar: condena inocentes e inocenta culpados. A pena de morte, se não afeta os últimos, pode fazer uma diferença crucial para os primeiros. Pode-se argumentar que o mesmo ocorre para outras penas. No entanto, espera-se que os erros da justiça sejam corrigidos, o que não acontece quando a pena capital é aplicada. Alguns países, como os EUA, condenam a pessoa e estabelecem um prazo até o cumprimento da pena. Se esse adiamento possibilita maiores possibilidade de correção da justiça, ele não acaba, no entanto, com a impossibilidade de correção após a aplicação da pena. Além disso, o corredor da morte é uma tortura psicológica terrível para o acusado inocente, que fica dividido entre uma última esperança que pode se tornar vã e a aceitação de que sua situação é irreversível. A taxa de suicídio no corredor da morte americano é 10 vezes maior do que a taxa nacional e 6 vezes maior do que a dos prisioneiros no geral.
Um caso emblemárico ocorreu no estado de Illinois, que restabeleceu a pena capital em 1977. Desde então, 12 pessoas foram executadas e 13 inocentadas no corredor da morte. Tal fato levou o governador George H. Ryan a retirar todos os condenados do corredor da morte em janeiro de 2003.
A pior de todas as penas é antes de tudo desejo de vingança do que senso de justiça. E esse perigoso elemento pode levar o Estado ao uso político da mesma. Nem entro aqui na questão de possíveis perseguições de contrários políticos, mas no fato de um maior número de execuções poder garantir ao governante e ao partido a imagem de pessoas fortemente contrárias ao crime e "defensoras dos valores morais". O potencialmente injusto e incorrigível sistema vê então aumentado em grau os seus malefícios.
Alguns argumentam que a pena de morte fará com que os criminosos sintam-se inibidos em suas ações. Não existe nenhum estudo conclusivo a esse respeito, mas podemos dizer que a conexão não é tão óbvia, pois o criminoso acredita que não será pego. Se assim não fosse, ele não chegaria a cometer o crime.
Por último, em países de pouca tradição de respeito às liberdades individuais, o governo consegue, com maior facilidade, impor leis e medidas injustas. Todos os problemas relacionados à pena de morte se agravam quando adotados num país de democracia cambaleante como o Brasil. Nossa polícia está envolvida no uso diário e ostensivo da tortura, na prática de chacinas, etc. E nosso poder judiciário é facilmente corrompido por interesses privados. Não parece ser o melhor cenário para adoção de prática tão controversa e problemática."
Várias ações são propostas, desde intervenção militar nos morros cariocas até a redução da maioridade, passando pela adoção da prisão perpétua e da pena de morte. Nesse artigo analisarei a justiça e a utilidade dessa última medida. Pois, se injusta, a pena de morte deve ser rejeitada, por mais útil que seja. E, se justa, não significa que necessariamente deva ser adotada, principalmente se suas conseqüências e desdobramentos forem tais que tragam mais desvantagens do que vantagens para o lado que a adota como prática. No caso, o Estado como provedor de segurança e justiça para a sociedade.
Antes de analisar a pena de morte como instrumento de segurança pública, creio que seja útil analisá-la como meio de segurança individual, para traçar posteriormente as diferenças existentes no uso da mesma nas duas esferas.
John Locke, no seu famoso livro "Segundo Tratado Sobre O Governo Civil", propõe um sistema jurídico baseado no chamado direito natural. E segundo tal sistema, o indivíduo possui autonomia sobre o seu corpo e propriedade, desde que respeite o direito alheio de proceder da mesma forma. Existem, no entanto, situações na qual o homem perde essa autonomia devido à ação de outrem, através por exemplo da fraude e do uso da força.
Quando é vítima de coerção, o homem perde a sua autonomia e está à mercê da vontade alheia. Ou seja, sua vida passa a pertencer ao outro, que pode fazer o que quiser com ela. É importante ressaltar esse ponto, muitas vezes esquecido em discussões envolvendo legítima defesa: a pessoa não sofre agressões enquanto obedecer ao outro (por vezes nem isso é o bastante); mas essa obediência existe devido a uma ameaça de retaliação, que constitui em si uma agressão. Quando o agressor diz "não quero te machucar", revela um desejo de não exercer a força, mas não a negação da possibilidade de usá-la pois, se assim fosse, não seria mais coerção. A pessoa oprimida pode, então, usar de todos os meios possíveis para recuperar sua autonomia.
Conclui-se então que a pena de morte é um meio justo de auto-defesa. Mas nem sempre é útil. Em certas situações sabemos ser improvável que o agressor cometa ações de conseqüências graves durante sua ação, ao passo que, reagindo, talvez estejamos correndo maiores riscos. Existe também a questão moral: agir implacavelmente contra um outro ser humano contribui para um enrijecimento do espírito e perda da sensibilidade.
Analisemos agora a pena de morte usada na esfera pública. A situação torna-se um pouco mais distinta. Não temos aqui a aplicação da pena de morte num tempo contíguo à situação. E isso provoca duas diferenças básicas: a percepçào da justiça da pena de morte não é tão clara, sendo necessária decidí-la por um processo burocrático. E a aplicação dessa pena, no caso, não evita diretamente crime algum, é acima de tudo punição.
O sistema judiciário pode errar: condena inocentes e inocenta culpados. A pena de morte, se não afeta os últimos, pode fazer uma diferença crucial para os primeiros. Pode-se argumentar que o mesmo ocorre para outras penas. No entanto, espera-se que os erros da justiça sejam corrigidos, o que não acontece quando a pena capital é aplicada. Alguns países, como os EUA, condenam a pessoa e estabelecem um prazo até o cumprimento da pena. Se esse adiamento possibilita maiores possibilidade de correção da justiça, ele não acaba, no entanto, com a impossibilidade de correção após a aplicação da pena. Além disso, o corredor da morte é uma tortura psicológica terrível para o acusado inocente, que fica dividido entre uma última esperança que pode se tornar vã e a aceitação de que sua situação é irreversível. A taxa de suicídio no corredor da morte americano é 10 vezes maior do que a taxa nacional e 6 vezes maior do que a dos prisioneiros no geral.
Um caso emblemárico ocorreu no estado de Illinois, que restabeleceu a pena capital em 1977. Desde então, 12 pessoas foram executadas e 13 inocentadas no corredor da morte. Tal fato levou o governador George H. Ryan a retirar todos os condenados do corredor da morte em janeiro de 2003.
A pior de todas as penas é antes de tudo desejo de vingança do que senso de justiça. E esse perigoso elemento pode levar o Estado ao uso político da mesma. Nem entro aqui na questão de possíveis perseguições de contrários políticos, mas no fato de um maior número de execuções poder garantir ao governante e ao partido a imagem de pessoas fortemente contrárias ao crime e "defensoras dos valores morais". O potencialmente injusto e incorrigível sistema vê então aumentado em grau os seus malefícios.
Alguns argumentam que a pena de morte fará com que os criminosos sintam-se inibidos em suas ações. Não existe nenhum estudo conclusivo a esse respeito, mas podemos dizer que a conexão não é tão óbvia, pois o criminoso acredita que não será pego. Se assim não fosse, ele não chegaria a cometer o crime.
Por último, em países de pouca tradição de respeito às liberdades individuais, o governo consegue, com maior facilidade, impor leis e medidas injustas. Todos os problemas relacionados à pena de morte se agravam quando adotados num país de democracia cambaleante como o Brasil. Nossa polícia está envolvida no uso diário e ostensivo da tortura, na prática de chacinas, etc. E nosso poder judiciário é facilmente corrompido por interesses privados. Não parece ser o melhor cenário para adoção de prática tão controversa e problemática."
"Prezado Renato,
Sugiro os seguintes pontos:
Fim do serviço militar obrigatório;"
Realmente este é um ótimo ponto. O serviço militar obrigatório é problemático sob vários aspectos: a questão da liberdade individual, da eficiência deste modo de selecionar soldados e o fato de que sempre há excesso de contingente, então é muito mais simples que seja facultativo logo.
"Extinção do BNDES;"
Fundamental, esta. Mas acredito que pode entrar no tópico de que os mecanismos de mercado, como o lucro, devem funcionar livremente.
"Proibição de todo e qualquer subsídio, isenção fiscal ou uso de dinheiro público para financiar, incentivar ou fomentar atividades privadas, com fins lucrativos ou não."
Não sei, eu concordo com a parte de atividades privadas com fins lucrativos, mas não acho que seja, em tese, anti-liberal o financiamento estatal de certas atividades sem fins lucrativos. Também não acho que seja anti-liberal defender que o financiamento delas não deva existir, mas é uma proposta que parece se aproximar mais de um minarquismo estrito, que é uma das correntes do liberalismo, do que propriamente ser a base do pensamento liberal.
"Proibição da concessão de gratuidades ou quaisquer outros benefícios a estudantes, idosos, etc., especialmente em estabelecimentos e serviços privados."
Concordo quanto aos estabelecimentos privados, mas em relação a gestão pública, teríamos que verificar sobre o que trata tal benefício. Eu imagino que benefícios devam sempre se relacionar a algum tipo de incapacidade das pessoas em assumirem total responsabilidade sobre seus atos, seja esta incapacidade mental ou física. Agora, beneficiar alguém que esteja em pleno gozo dos seus direitos, sem limitações mentais ou físicas, me parece realmente abusivo.
"Privatização de todas as empresas estatais;"
"Privatização da gestão de estradas, ferrovias, portos e aeroportos;"
Este ponto entra na proposta de quebrar os monopólios estatais.
"Transferência para a iniciativa privada da administração de todos os hospitais públicos, que passariam a cobrar do governo nos mesmos moldes dos planos de saúde."
Acho que deveríamos começar com um ponto mais pacífico, que é passar a administração dos hospitais federais para os estados. Seria importante, também, acabar com a intervenção estatal no conteúdo dos contratos dos planos de saúde.
"Implementação do sistema de vouchers na educação básica e secundária. Extinção de todas as universidades públicas."