10 de fev. de 2007

A origem do dogmatismo(e do fundamentalismo também)

Muito se fala de dogmatismo e do seu irmão mais próximo, o fundamentalismo. Mas pouco se analisa a respeito. De maneira geral, tanto o dogmatismo quanto o fundamentalismo são condenados como atitudes intelectualmente contra-producentes. Viram até espécie de xingamento contra quem se recusa a pensar como a gente. Por isso mesmo um fundamentalista pode acusar outra pessoa de ser fundamentalista, sem maiores problemas.

O dogmático sempre argumenta, a seu favor, que as bases de qualquer pensamento não podem ser definidas de maneira racional(não podem ser objeto de discussão), tendo, portanto, que ser assumidas como verdades a partir das quais desenvolvemos nossas idéias. O fundamentalista segue mais ou menos a mesma linha: todo sistema de idéias se desenvolve a partir de certos fundamentos, que não podem ser questionados com o risco de todo o sistema desmoronar junto.

Posso surpreender muitos ao afirmar que tanto os dogmáticos quanto os fundamentalistas estão absolutamente certos. A diferença entre dogmáticos e não-dogmáticos não está no reconhecimento distinto da realidade, mas sim na disposição com que se encara a configuração do processo mental. Por exemplo, é verdade que as bases do pensamento não podem ser definidas racionalmente, mas isto não significa que só possamos raciocinar direito se partirmos de bases sólidas. Ao contrário, é o exercício da razão, a partir de qualquer base, que pode nos indicar se os nossos pressupostos são bons ou ruins. Em suma, não sabemos a qualidade de nossas suposições antes do uso que fazemos delas, só podemos avaliá-las após a tentativa de construirmos um sistema de pensamento com elas.

O fundamentalista também está correto em apontar que, questionado o cerne que sustenta um sistema de pensamento, todo o edifício desmorona. Mas quem disse que o objetivo da atividade mental deve ser a construção de teorias sólidas, que resistam a todo impacto? Uma coisa é o esforço de tentar construir uma teoria resistente aos possíveis ataques que ela sofrerá; outra é construir uma teoria de tal forma a resistir aos ataques que não foram previstos por quem a formulou.

Tanto o dogmatismo quanto o fundamentalismo são tentativas subjetivas de evitar o derradeiro teste e avaliação das teorias formuladas. Subjetivamente, somos dogmáticos em relação às teorias que formulamos, da mesma forma que defendemos que, questionados certos pontos das mesmas, elas serão destruídas. A questão é saber até que ponto estamos dispostos a admitir que nossas teorias podem ser superadas. Suponho que seja uma questão mais cultural, de existir um ambiente intelectual que force os indivíduos a se comportarem desta maneira e não de outra, do que propriamente uma questão de caráter.

Há, contudo, um argumento subjetivo que pode convencer o indivíduo a agir de forma aberta. Não há muito problema se acreditamos dogmaticamente e defendemos de maneira fundamentalista uma teoria que esteja certa. O problema surge quando defendemos de maneira dogmática uma teoria que está errada. Ou seja, a atitude dogmática, se indiferente quando estamos do lado certo, é fatal se estamos do lado errado, pois nos perpetua no erro. De qualquer forma, esta parece ser muito mais a lógica do ambiente do que propriamente um argumento que seja formulado por um indivíduo que, a partir desta idéia, cria deliberadamente um ambiente de discussão aberta. Esta idéia parece surgir somente enquanto reconhecimento de uma realidade que não foi criada, mas apenas percebida pelo homem.

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