Em primeiro lugar, gostaria de agradecer aos dois Claudios, o Avolio e o Shikida, por terem me linkado. Dou boas vindas aos novos leitores que me conheceram através deles.
Na primeira parte dessa série, comentei a respeito de como o debate sobre políticas públicas pode ganhar contornos irrealistas. Na segunda parte, tentarei explicar porque isso ocorre e não é corrigido pelo próprio debate.
Uma analogia recorrente quando se julga o processo de decisão pública é que ele seria uma espécie de mercado. Concordo que pode ser uma boa aproximação, mas em certos sentidos é bastante inadequada. De maneira geral, um consumidor pode entrar ou sair de um mercado quando quiser. E, mesmo que tenha comprado, por exemplo, bolo mais do que gostaria de consumir, pode optar simplesmente por deixar de comer para não passar mal. E pode consumir a quantidade que estiver disposto, dada as suas preferências e sua renda.
Mas isso não ocorre no mercado político. Nele, o eleitor é obrigado a consumir o resultado das políticas públicas, independente de mudanças nas suas escolhas, ou se o consumo daquela política diminui seu bem estar. Você comprou o bolo, agora come todo! Pior, você pode consumir políticas públicas que nunca optaria por consumir! Pois, ao contrário do mercado econômico no qual o consumidor é soberano, aqui você sofre as conseqüências das escolhas dos outros(claro, há o problema das externalidades, mas deixemos isso de lado agora). Como se isso não bastasse, você precisa fazer as escolhas políticas no prazo estipulado pela legislação. E suas escolhas são limitadas: só pode escolher um deputado federal, um senador, etc. Há também uma limitação quanto à oferta de políticas públicas, pois o tamanho do mercado de eleitores a ser disputado é determinado pela lei.
Ora, esse é mesmo um mercado muito estranho, pois você é obrigado a expressar preferências em relação a um assunto que talvez não goste, em primeiro lugar. Sim, nem todo mundo gosta de política, da mesma forma que nem todo mundo gosta de futebol. Quantas vezes você já não viu alguém dizer que é "indiferente" para ele se X ou Y vai ganhar uma determinada partida? Por que uma outra pessoa não poderia expressar o mesmo sentimento quanto ao resultado de uma eleição?
Num certo sentido, no entanto, a política funciona como um mercado. Da mesma forma que a maioria dos consumidores ignora como são produzidos os bens que consomem(em alguns casos, a ignorância é uma bênção), o eleitorado ignora, de maneira geral, os mecanismo pelos quais se produzem os objetivos que eles tanto almejam. Talvez não seja tão absurdo que os indivíduos sejam contrários à privatização mesmo se beneficiando delas, não é mesmo? As ciências mais desenvolvidas são bastante contra-intuitivas, e certamente eu rejeitaria como absurdas certas propostas para construir um prédio, mesmo que eu more nele e o considere bastante bem feito.
Se pensarmos quantos séculos foram precisos para que a ciência econômica se estabelecesse de maneira mais ou menos formal, é um grande indicativo de que ela é altamente contra-intuitiva. "Naturalmente", talvez pensemos em termos de falácias. Já repararam como os erros em economia não são eliminados, ao contrário, ressurgem de tempos em tempos numa nova roupagem?
Um mercado no qual o consumidor é obrigado a expressar uma preferência, sobre um assunto que talvez não lhe interesse, tendo que escolher entre políticas públicas alternativas cujos resultados ele almeja mas a forma de alcançá-los ignora, e no qual consome o resultado do processo deliberativo independente de concordar com ele ou não...Já repararam como o tom da campanha política é muito mais de que o outro será um desastre do que propriamente que o seu governo será bom? As pessoas rejeitam muito mais certas idéias do que se arriscam pelas novas. Por isso os candidatos são tão parecidos em suas rejeições a certas idéias, mas diferentes em questões positivas, de implementação.
Exigem que os candidatos apresentem propostas. Mas, francamente, ninguém liga para propostas. O que acontece se alguém propor o fim do salário mínimo? Então tá.
A liberalização econômica ocorreu muito mais por uma questão de conjuntura, tanto de política internacional quanto de mudança na estrutura dos mercados, tornados mais dinâmicos. Muita gente se surpreendeu com o fato das mesmas idéias de 10 anos atrás terem pautado o segundo turno. E por que seria diferente? Teriam todos lido o "Caminho da Servidão"? Acho que não...
Isso não significa, claro, que o debate público seja inútil. Mas que exigir uma racionalidade dos agentes num cenário que eles não optaram em primeiro lugar é um tanto exagerado. Sim, o decepcionante mesmo é a falta de engajamento daqueles que deveriam pensar essas questões mais a fundo. Mas isso fica para outro post.
Na primeira parte dessa série, comentei a respeito de como o debate sobre políticas públicas pode ganhar contornos irrealistas. Na segunda parte, tentarei explicar porque isso ocorre e não é corrigido pelo próprio debate.
Uma analogia recorrente quando se julga o processo de decisão pública é que ele seria uma espécie de mercado. Concordo que pode ser uma boa aproximação, mas em certos sentidos é bastante inadequada. De maneira geral, um consumidor pode entrar ou sair de um mercado quando quiser. E, mesmo que tenha comprado, por exemplo, bolo mais do que gostaria de consumir, pode optar simplesmente por deixar de comer para não passar mal. E pode consumir a quantidade que estiver disposto, dada as suas preferências e sua renda.
Mas isso não ocorre no mercado político. Nele, o eleitor é obrigado a consumir o resultado das políticas públicas, independente de mudanças nas suas escolhas, ou se o consumo daquela política diminui seu bem estar. Você comprou o bolo, agora come todo! Pior, você pode consumir políticas públicas que nunca optaria por consumir! Pois, ao contrário do mercado econômico no qual o consumidor é soberano, aqui você sofre as conseqüências das escolhas dos outros(claro, há o problema das externalidades, mas deixemos isso de lado agora). Como se isso não bastasse, você precisa fazer as escolhas políticas no prazo estipulado pela legislação. E suas escolhas são limitadas: só pode escolher um deputado federal, um senador, etc. Há também uma limitação quanto à oferta de políticas públicas, pois o tamanho do mercado de eleitores a ser disputado é determinado pela lei.
Ora, esse é mesmo um mercado muito estranho, pois você é obrigado a expressar preferências em relação a um assunto que talvez não goste, em primeiro lugar. Sim, nem todo mundo gosta de política, da mesma forma que nem todo mundo gosta de futebol. Quantas vezes você já não viu alguém dizer que é "indiferente" para ele se X ou Y vai ganhar uma determinada partida? Por que uma outra pessoa não poderia expressar o mesmo sentimento quanto ao resultado de uma eleição?
Num certo sentido, no entanto, a política funciona como um mercado. Da mesma forma que a maioria dos consumidores ignora como são produzidos os bens que consomem(em alguns casos, a ignorância é uma bênção), o eleitorado ignora, de maneira geral, os mecanismo pelos quais se produzem os objetivos que eles tanto almejam. Talvez não seja tão absurdo que os indivíduos sejam contrários à privatização mesmo se beneficiando delas, não é mesmo? As ciências mais desenvolvidas são bastante contra-intuitivas, e certamente eu rejeitaria como absurdas certas propostas para construir um prédio, mesmo que eu more nele e o considere bastante bem feito.
Se pensarmos quantos séculos foram precisos para que a ciência econômica se estabelecesse de maneira mais ou menos formal, é um grande indicativo de que ela é altamente contra-intuitiva. "Naturalmente", talvez pensemos em termos de falácias. Já repararam como os erros em economia não são eliminados, ao contrário, ressurgem de tempos em tempos numa nova roupagem?
Um mercado no qual o consumidor é obrigado a expressar uma preferência, sobre um assunto que talvez não lhe interesse, tendo que escolher entre políticas públicas alternativas cujos resultados ele almeja mas a forma de alcançá-los ignora, e no qual consome o resultado do processo deliberativo independente de concordar com ele ou não...Já repararam como o tom da campanha política é muito mais de que o outro será um desastre do que propriamente que o seu governo será bom? As pessoas rejeitam muito mais certas idéias do que se arriscam pelas novas. Por isso os candidatos são tão parecidos em suas rejeições a certas idéias, mas diferentes em questões positivas, de implementação.
Exigem que os candidatos apresentem propostas. Mas, francamente, ninguém liga para propostas. O que acontece se alguém propor o fim do salário mínimo? Então tá.
A liberalização econômica ocorreu muito mais por uma questão de conjuntura, tanto de política internacional quanto de mudança na estrutura dos mercados, tornados mais dinâmicos. Muita gente se surpreendeu com o fato das mesmas idéias de 10 anos atrás terem pautado o segundo turno. E por que seria diferente? Teriam todos lido o "Caminho da Servidão"? Acho que não...
Isso não significa, claro, que o debate público seja inútil. Mas que exigir uma racionalidade dos agentes num cenário que eles não optaram em primeiro lugar é um tanto exagerado. Sim, o decepcionante mesmo é a falta de engajamento daqueles que deveriam pensar essas questões mais a fundo. Mas isso fica para outro post.
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