Mais anarco-capitalismo
O texto que segue abaixo é uma resposta parcial ao artigo de Richard intitulado "Leis, tribunais e polícia sem governo: bem vindos ao anarco-capitalismo". Há ainda um outro texto rascunhado por mim que comenta algumas outras questões levantadas pelo texto citado, e pretendo escrever um comentário a um texto posterior do Richard, intitulado "Governos: se são tão ruins, por que existem?",que responde parcialmente ao argumento deste meu artigo(eu adiantei o argumento do meu artigo em comentário no blog dele, o que resultou neste segundo texto de Richard).
O governo é uma falha de mercado?
Prefiro concentrar a minha análise no final do texto, que coloca questões interessantes.
O final do texto, na nota 21, começa com uma admissão importante: nem mercado de leis nem governos são inerentes liberais, e o autor complementa: "se governos, de alguma forma fossem mais eficientes que mercados para a garantia daquele conjunto de princípios chamado de liberalismo, seria recomendável que um liberal defendesse governos como um meio para tal garantia no lugar de mercados". Compactuo totalmente com esta perspectiva. As nossas considerações em relação a desejabilidade do governo são derivadas, 'conseqüencialistas'. No entanto, posteriomente Richard escreve: "não faz sentido continuar defendendo governos mesmo com tantas demonstrações de falhas, ainda mais quando do outro lado existe uma alternativa viável para substituí-los". A pergunta que cabe, portanto, é a seguinte: será que é viável mesmo?
Em qual sistema há maior distância do liberalismo? É o que devemos analisar a seguir. Afirma-se que o governo normalmente falha na produção do que lhe é atribuído, enquanto mercados seriam bem sucedidos. Mas se o governo é um estorvo para a humanidade, por que o mercado não consegue eliminar o governo? Esta é uma pergunta fundamental, e normalmente é respondida com exemplos de políticas eficientes que não conseguem ser bem implementadas. A diferença é que a eficiência teórica de uma política independe de sua prática(no máximo a sua prática pode nos levar a rever nossas considerações em relação a sua eficiência), enquanto que, a partir do momento no qual se afirma que o mercado de leis é mais eficiente do que o governo, perguntar porque então o mercado de leis não elimina o governo é fundamental.
Reformulando: políticas eficientes podem ou não ser adotadas, pois há um processo político no qual é decidido se serão adotadas ou não. Agora, quando se diz que há um mercado de processo político que é mais eficiente do que o processo político governamental, mas o primeiro não consegue eliminar o segundo, então parece que há uma falha na capacidade do mercado de processo político em acavar com o processo político governamental. Ou seja, parece-me que há uma falha de mercado.
O governo é uma falha de mercado. O mercado de processo político não consegue eliminar o governo, podemos verificar isso a todo momento. No entanto, os anarco-capitalistas afirmam que o mercado de processo político é superior ao governo. Mas como? Porque uma instituição ineficiente continua a atuar? A única explicação é a existência de uma falha de mercado.
O anarco-capitalismo faz o seu arrazoado a partir de um mundo sem governo. Mas em todo canto nós observamos governos. Compara-se uma situação hipotética, sem governo, com uma situação real, com governo. Claro que a existência do governo não justifica a sua desejabilidade ou mesmo sua inevitabilidade. Por outro lado, o desprezo que a literatura anarco-capitalista reserva ao problema da persistência da existência dos governos deveria se transformar num estudo mais aprofundado da questão.
No mínimo parece que, ao meu ver, o governo é uma falha de mercado. É possível resolvê-la? A maior parte dos liberais dirá que não é possível resolver a falha de mercado chamada governo, e que portanto devemos aprender a lidar com ela. Os anarco-capitalistas, ao contrário, apontam a ineficiência do governo e dizem que o mercado de leis é superior. Mas como é que o mercado de leis vai acabar com o governo? Na verdade, já existe um mercado de leis, o monopólio do uso da força que é proclamado por governos mundo afora é diariamente contestado. Por que este mercado de leis não ganha força? Como que ele pode ganhar força? De qualquer forma, parece-me que o mercado de leis não pode depender de si mesmo para derrubar governo; é preciso corrigir as suas falhas, e para isso precisamos de instituições. Quais instituições tornariam possível a eventual implementação do mercado de leis e a diminuição da preponderância governamental?
Aqui anarco-capitalistas e liberais se encontram: o liberal considera o governo como sendo uma falha de mercado, e devemos aprender a lidar com esta falha da melhor maneira possível. O anarco-capitalista considera o governo como um estorvo, mas por outro lado não consegue ver o mercado de leis prosperar. É preciso criar instituições para que este mercado avance. Tanto a reforma institucional para lidar com o governo quanto a que tem como objetivo o seu fim guardam semelhanças entre si. Aqui há um núcleo comum, embora continuem existindo dibergências de fundo.
Por mim, só peço que os anarco-capitalistas reconheçam que o mercado de leis não se impõe por si mesmo, e que o governo existe por incapacidade do mercado de leis de acabar com o governo, logo é preciso focar nas instituições que sirvam como meio de implementar o tal mercado de leis. E não, este não é um apelo 'pragmático', mas sim um apelo 'realista'. Se isso fere o 'idealismo' de alguns, não posso fazer muito a respeito, mas acho que esta é uma estranha interpretação do idealismo, que desconsidera problemas práticos de implementação de seus objetivos. Notem que ainda nem toquei, nem de perto, em fins pretendidos, apenas critiquei a descrição do problema da forma como é colocada por alguns anarco-capitalistas.
O texto que segue abaixo é uma resposta parcial ao artigo de Richard intitulado "Leis, tribunais e polícia sem governo: bem vindos ao anarco-capitalismo". Há ainda um outro texto rascunhado por mim que comenta algumas outras questões levantadas pelo texto citado, e pretendo escrever um comentário a um texto posterior do Richard, intitulado "Governos: se são tão ruins, por que existem?",que responde parcialmente ao argumento deste meu artigo(eu adiantei o argumento do meu artigo em comentário no blog dele, o que resultou neste segundo texto de Richard).
O governo é uma falha de mercado?
Prefiro concentrar a minha análise no final do texto, que coloca questões interessantes.
O final do texto, na nota 21, começa com uma admissão importante: nem mercado de leis nem governos são inerentes liberais, e o autor complementa: "se governos, de alguma forma fossem mais eficientes que mercados para a garantia daquele conjunto de princípios chamado de liberalismo, seria recomendável que um liberal defendesse governos como um meio para tal garantia no lugar de mercados". Compactuo totalmente com esta perspectiva. As nossas considerações em relação a desejabilidade do governo são derivadas, 'conseqüencialistas'. No entanto, posteriomente Richard escreve: "não faz sentido continuar defendendo governos mesmo com tantas demonstrações de falhas, ainda mais quando do outro lado existe uma alternativa viável para substituí-los". A pergunta que cabe, portanto, é a seguinte: será que é viável mesmo?
Em qual sistema há maior distância do liberalismo? É o que devemos analisar a seguir. Afirma-se que o governo normalmente falha na produção do que lhe é atribuído, enquanto mercados seriam bem sucedidos. Mas se o governo é um estorvo para a humanidade, por que o mercado não consegue eliminar o governo? Esta é uma pergunta fundamental, e normalmente é respondida com exemplos de políticas eficientes que não conseguem ser bem implementadas. A diferença é que a eficiência teórica de uma política independe de sua prática(no máximo a sua prática pode nos levar a rever nossas considerações em relação a sua eficiência), enquanto que, a partir do momento no qual se afirma que o mercado de leis é mais eficiente do que o governo, perguntar porque então o mercado de leis não elimina o governo é fundamental.
Reformulando: políticas eficientes podem ou não ser adotadas, pois há um processo político no qual é decidido se serão adotadas ou não. Agora, quando se diz que há um mercado de processo político que é mais eficiente do que o processo político governamental, mas o primeiro não consegue eliminar o segundo, então parece que há uma falha na capacidade do mercado de processo político em acavar com o processo político governamental. Ou seja, parece-me que há uma falha de mercado.
O governo é uma falha de mercado. O mercado de processo político não consegue eliminar o governo, podemos verificar isso a todo momento. No entanto, os anarco-capitalistas afirmam que o mercado de processo político é superior ao governo. Mas como? Porque uma instituição ineficiente continua a atuar? A única explicação é a existência de uma falha de mercado.
O anarco-capitalismo faz o seu arrazoado a partir de um mundo sem governo. Mas em todo canto nós observamos governos. Compara-se uma situação hipotética, sem governo, com uma situação real, com governo. Claro que a existência do governo não justifica a sua desejabilidade ou mesmo sua inevitabilidade. Por outro lado, o desprezo que a literatura anarco-capitalista reserva ao problema da persistência da existência dos governos deveria se transformar num estudo mais aprofundado da questão.
No mínimo parece que, ao meu ver, o governo é uma falha de mercado. É possível resolvê-la? A maior parte dos liberais dirá que não é possível resolver a falha de mercado chamada governo, e que portanto devemos aprender a lidar com ela. Os anarco-capitalistas, ao contrário, apontam a ineficiência do governo e dizem que o mercado de leis é superior. Mas como é que o mercado de leis vai acabar com o governo? Na verdade, já existe um mercado de leis, o monopólio do uso da força que é proclamado por governos mundo afora é diariamente contestado. Por que este mercado de leis não ganha força? Como que ele pode ganhar força? De qualquer forma, parece-me que o mercado de leis não pode depender de si mesmo para derrubar governo; é preciso corrigir as suas falhas, e para isso precisamos de instituições. Quais instituições tornariam possível a eventual implementação do mercado de leis e a diminuição da preponderância governamental?
Aqui anarco-capitalistas e liberais se encontram: o liberal considera o governo como sendo uma falha de mercado, e devemos aprender a lidar com esta falha da melhor maneira possível. O anarco-capitalista considera o governo como um estorvo, mas por outro lado não consegue ver o mercado de leis prosperar. É preciso criar instituições para que este mercado avance. Tanto a reforma institucional para lidar com o governo quanto a que tem como objetivo o seu fim guardam semelhanças entre si. Aqui há um núcleo comum, embora continuem existindo dibergências de fundo.
Por mim, só peço que os anarco-capitalistas reconheçam que o mercado de leis não se impõe por si mesmo, e que o governo existe por incapacidade do mercado de leis de acabar com o governo, logo é preciso focar nas instituições que sirvam como meio de implementar o tal mercado de leis. E não, este não é um apelo 'pragmático', mas sim um apelo 'realista'. Se isso fere o 'idealismo' de alguns, não posso fazer muito a respeito, mas acho que esta é uma estranha interpretação do idealismo, que desconsidera problemas práticos de implementação de seus objetivos. Notem que ainda nem toquei, nem de perto, em fins pretendidos, apenas critiquei a descrição do problema da forma como é colocada por alguns anarco-capitalistas.
Um comentário:
Coloquei uma resposta a esse artigo no meu blog.
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