18 de dez. de 2006

Pobreza: absoluta e relativa

Na minha tentativa de jogar menos calor e mais luz no debate político, discuto agora o conceito de pobreza. E devemos observar um princípio que, se óbvio, quando revelado, torna-se obscuro se subentendido. O conceito de pobreza é relativo.

O conceito de pobreza é relativo porque, para existir uma pessoa pobre, é preciso que exista alguém que seja considerado rico. Se todos possuíssem o mesmo bem estar material, o conceito de pobreza não poderia ser aplicado. É preciso, portanto, que exista uma desigualdade de bem estar. Querer acabar com a pobreza significa querer acabar com a desigualdade de bem estar, ou seja, significa querer acabar com a riqueza. A única forma de acabar, em definitivo, com a pobreza, é destruindo a prosperidade que gera a riqueza.

Existe, no entanto, uma outra forma de entender a pobreza, que é desenvolver um conceito absoluto da mesma. Ou seja, enumerar uma série de atributos do bem estar que estão razoavelmente bem distribuídos entre os membros numa dada sociedade, mas que não são acessíveis a todos.

Por exemplo, é um hábito em nossa sociedade tomar banho pelo menos uma vez ao dia, por questões de higiene. Aqueles que não possuem os recursos necessários para o banho diário podem ser considerados pobres. Normalmente usamos uma roupa diferente por dia, e as lavamos antes de as usarmos novamente. Mas nem todos podem fazer isso. A grande maioria da população tem acesso à energia elétrica, o que a torna capaz de utilizar uma série de utensílios domésticos como geladeira, televisão, computador, etc. Mas aqueles que não possuem acesso à energia elétrica ficam excluídos do uso desses bens.

Pode acontecer, e muitas vezes isso ocorre, de uma sociedade ser absolutamente mais pobre do que a outra, pelo fato de todos os membros daquela sociedade não possuírem acesso aos bens existentes nas sociedades mais prósperas. Há, portanto, dois tipos de desigualdade: uma desigualdade entre sociedades e uma desigualdade dentro da mesma sociedade. Se trabalharmos com os conceitos de pobreza relativa e absoluta, é possível que uma sociedade materialmente mais desenvolvida não possua nenhum pobre absoluto mas, pelo fato de persistir a desigualdade de riquezas, a pobreza relativa se perpetue, podendo até mesmo aumentar.

Há uma grande diferença entre combater a pobreza relativa e a pobreza absoluta. Para combater a pobreza absoluta, a sociedade possui um objetivo, normalmente negativo e, dessa forma, a sua ação positiva pode ser objetivamente avaliada. Por exemplo, a erradicação do analfabetismo pode ser verificada pela porcentagem da população que permanece analfabeta. O mesmo se pode dizer quanto à persistência de determinadas doenças, o acesso ao saneamento básico, a mortalidade infantil, capacidade de utilizar a energia elétrica, etc. Já o combate à pobreza relativa não possui um objetivo, pois é inerente de uma sociedade com divisão do trabalho relativamente desenvolvida. Sempre existirão pobres e ricos, a não ser que todos se tornem pobres.

É por isso que venho acompanhando com certa surpresa o debate que ocorre atualmente nos EUA, a saber, a preocupação com o aumento da desigualdade de renda, medida pelo índice Gini. Não é que tenha surgido, nos últimos anos, um problema social grave que possa ser relacionado com a pobreza. Não se discute nenhum índice específico de bem estar que tenha piorado nos EUA. Ao contrário, até mesmo os índices de violência americanos, considerados altos quando comparados aos de outros países desenvolvidos, estão em seus níveis mais baixos desde os anos 60. O que se está discutindo? Que algumas pessoas enriqueceram mais do que outras, sem que isso tenha afetado, de maneira direta, nenhum aspecto do bem estar dos outros que enriqueceram menos.

Será que a desigualdade de renda, pura e simples, importa tanto assim? Não deveríamos focar mais em erradicar certos problemas, como o analfabetismo, doenças diversas, falta de saneamento básico, que custam relativamente tão pouco para que sejam combatidos? Certamente esses gastos não provocariam uma mudança muito grande na pobreza relativa. Mas, sem dúvida, tiraria uma parte considerável da população da pobreza absoluta.

3 comentários:

nenhum disse...

Na prática, erradicar o analfabetismo exige uma logística imensa. Veja o caso do Brasil, que gasta mais de 25% do PIB com educação para formar um monte de gente no Ensino Médio incapaz de ver filme legendado...

Renato C. Drumond disse...
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Renato C. Drumond disse...

Na verdade, o Brasil gasta hoje 4,3% do PIB em educação, e tenciona gastar 6%.

(http://aprendiz.uol.com.br/
content.view.action?uuid=2f
c5ff290af47010014d5bc992ea73ba)

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