3 de ago. de 2007

Respondendo a uma pergunta feita ao Shikida

nota: para quem leu este artigo na sexta-feita, peço por favor que o releia. Como escrevi com pressa, algumas frases ficaram muito mal escritas e até mesmo troquei algumas palavras por outras.

Gostei da pergunta, e vou respondê-la por aqui.

"Então, Cláudio, se tiver tempo, por favor, responda se, além da óbvia discordância anarco-capitalista, é unânime alguma dessas proposições: 1° a intervenção é necessária para corrigir falhas de mercado; 2° tal intervenção deve ser promovida pelo estado.

Lembrando, para quem não tenha lido o comentário lá, que pergunto porque ouvi em aula de Direito Econômico na FDUSP uma petição de princípio que não conseguiu minha imediata adesão: até os neoclássicos --ditos o extremo oposto aos comunistas-- reconhecem que a intervenção do Estado é necessária para corrigir as falhas de mercado. Lembrando que há formas de regulação voluntária que solucionariam muitos dos problemas de acesso à informação e muitas externalidades nocivas, pergunto se há tal unanimidade entre neoclássicos ou entre qualquer corrente liberal sobre a necessidade de intervenção."

A resposta do Claudio pode ser conferida no blog dele(que não é só dele), linkado ao lado, o De Gustibus.

Bem, alguns pontos: excluindo de antemão os anarco-capitalistas, há, em toda sociedade, duas esferas de ação: a esfera política e a esfera privada. Dito de outra forma, talvez melhor, há a esfera do direito e a esfera dos agentes privados que se utilizam das regras do direito para agir. Ou simplificando: há o Estado, que aplica as regras do direito(mas que não necessariamente as cria), e o mercado, cujo funcionamento é limitado por estas regras.

Os marxistas não conseguem diferenciar o Estado do mercado. Tanto que, quando falam sociedade capitalista, referem-se ao Estado, que serve como 'vestimenta' para as relações econômicas contraidas anteriormente, mais a esfera econômica; enquanto que muitos liberais, quando se referem ao mercado ou mesmo ao capitalismo, referem-se já a ação real que os agentes executam, dada as proibições indicadas pela lei.

Há alguns autores liberais, como por exemplo Mises, que identificam como capitalismo uma sociedade que possui um conjunto de regras específico ditado pelo Estado, algo que podemos conceber como sociedade capitalista 'pura', ou sociedade de livre mercado, ou simplesmente laissez-faire. É o Estado que simplesmente pune a agressão contra a pessoa e a propriedade, além de garantir a defesa nacional, prover algum serviço de segurança pública e punir quebras de contrato, incluido aqui a fraude.

Mas digo que, desde já, esta discussão é muito muito muito controversa, e não é tão claro assim se este Estado constituiria exatamente um mínimo, ou se uma série de serviços extras já estariam sendo ofertados. Vamos trabalhar, portanto, com esta definição provisória de Estado Mínimo, que seria o Estado existente numa sociedade capitalista 'pura'.

Voltando ao marxismo: autores marxistas possuem muita dificuldade em distinguir Estado de mercado. É um problema analítico, não de burrice, lógico que eles sabem que Estado e mercado são coisas distintas, mas a dinâmica social com a qual o marxismo trabalha é outra. Por exemplo, quando o governo aumenta as tarifas sobre a importação de um determinado produto, ou mesmo quando dirige, de maneira direta, um determinado setor da economia, ele o faz de tal forma a 'servir' a manutenção da ordem capitalista. Não importa muito, para o marxista, que a empresa conquiste o benefício através da competição no mercado ou de favores do governo, AMBAS são formas de perpetuar o capitalismo. Veja que o liberal pode considerar também que uma empresa ou um conjunto de empresas sejam favorecidas pela ação do governo, nas situações citadas, mas ele CLASSIFICA tais atos do governo como sendo sim mecanismos de intervenção governamental, independente de quem se beneficie deles. O marxista está muito mais interessado em saber quem se beneficia de uma determinada ação do governo do que qualquer outra coisa.

Veja que, pela mera existência do Estado, já ocorre uma intervenção, que é a cobrança de tributos. Aqui entramos numa questão interessante: é possível subsistir o mercado sem o consumo destes serviços, a saber, proteção da vida e da propriedade, além de cumprimento dos contratos, paz externa e punição da fraude? Muitas vezes os anarco-capitalistas passam por esta questão de maneira muito rápida. Claro, há toda uma questão de saber se a pessoa paga ao Estado a quantidade que realmente gostaria de gastar com aquele serviço, mas pode-se dizer que, numa sociedade anarco-capitalista, este indivíduo gastaria zero recursos com proteção à vida, à propriedade, ao cumprimento dos contratos, para manter a paz externa e para punir a fraude? Realisticamente, a respsota provavelmente é não: ou os indivíduos se abstém, todos eles, da agressão mútua, ou é preciso gastar algo para se proteger da mesma.

Se fosse factível imaginar que ninguém agrediria ninguém, então a cobrança de tributos por parte do Estado Mínimo seria, toda ela, uma subtração na riqueza dos indivíduos. Como é factível imaginar que surgirá o conflito num agrupamento humano, mais dia menos dia, mesmo que o indivíduo pague mais do que gostaria de pagar por estes serviços, não é certo dizer que ele pague TODA aquela quantia a mais. Neste sentido, mesmo supondo o anarco-capitalismo como factível, a sua vantagem seria levar a quantidade de recursos gastas com aquele serviço para aquela com a qual o indivíduo está disposto a gastar.

Quanto a intervenção do Estado para modificar o resultado que se originaria das interações de mercado(dada a limitação da atuação do Estado enquanto Estado Mínimo), são duas questões envolvidas. Em primeiro lugar, há a crítica teórica em relação ao que consistiriam as chamadas falhas de mercado e a possibilidade de corrigi-las. Em segundo lugar, há o problema de julgar que o meio utilizado para alcançar um determinado objetivo seria neutro.

Não entrarei no mérito de discutir as falhas de mercado, mas identificar exatamente sua natureza altera de maneira substancial os 'remédios' a serem utilizados.

Além disso, há a questão dos meios serem neutros, em dois sentidos: há questões éticas envolvidas em utilizar o Estado para corrigir tais falhas? Há alguns teóricos que assim consideram. Ou seja, mesmo sendo viável utilizar o Estado para conseguir determinado resultado, não seria eticamente permitido. Além disso, há todo o processo político necessário para que o Estado intervenha no mercado. Ou seja, há um custo para implementar soluções governamentais, e estes custos não podem ser descartados(é o que nos lembra toda a literatura de public choice theory) .

Há várias considerações que deixei de fora, mas primordialmente é o que tenho a dizer.

Um comentário:

Prof Shikida disse...

estou com problemas para postar. mas vou linkar lá sua resposta. é mais uma visao sobre o mesmo tema.

valeu pelo help.