O Partido Libertário admite divergência interna?
Muitas pessoas, em seu primeiro contato com o libertarismo, acreditam que esta corrente política implica na concordância absoluta de todos que a seguem. É verdade que os libertários possuem posições semelhantes em relação a várias questões, mas também divergem em outras. A divergência se dá, basicamente, em dois níveis, a saber: como os princípios libertários são interpretados, e a aplicação destes princípios a questões específicas. A interpretação dos princípios libertários remete a discussões mais filosóficas que envolvem certas sutilezas que, se num primeiro momento parecem levar a mesma posição, no final podem desembocar em diferenças significativas. Neste artigo, abordarei somente a divergência de opinião dos libertários em relação a aplicação dos princípios, cuja solução muitas vezes remete à discussão filosófica da melhor interpretação dos princípios libertários, mas que dificilmente pode ser considerada como definitiva:1-determinação da maioridade: não existe, no libertarismo, uma posição definitiva em relação a melhor forma de diferenciar um adulto de uma criança.Há várias interpretações possíveis: a maioridade deveria ser determinada estipulando uma idade arbitrária, deveria ser reconhecida a partir de um pedido que parte da própria criança, deveria exigir responsabilidade mesmo de menores(quando agem como adultos ao violar os direitos de terceiros, etc). Portanto, apesar dos libertários concordarem no seu respeito a ações voluntárias contraídas por adultos, há uma disputa em relação ao que se pode considerar como adulto ou não.
2-direitos da criança: a relação adequada entre um adulto e uma criança também é uma área de disputa. Por um lado, vários libertários defendem que os pais devem ter total autonomia em relação a forma que escolhem educar e tratar seus filhos. Por outro, esta liberdade da família não pode implicar na violação dos direitos da criança. Ou seja, o fato da criança não poder assumir responsabilidade total por seus atos não significa que não possua direitos que potencialmente podem ser violados, mesmo pelos seus pais. Determinar o limite em que os pais simplesmente assumem responsabilidade por seus filhos e quando os mesmos estão violando os direitos dos mesmos é bastante problemático.
3-gastos com defesa: apesar de libertários concordarem que a defesa nacional é uma função legítima do Estado, não há concordância em relação a como esses gastos devem ser efetuadas. Muitos libertários defendem que, em períodos de paz, o Estado não deve manter nenhum exército regula. Uma outra posição possível seria a manutenção de uma estrutura mínima para que, a partir dela, se pudesse mobilizar os recursos necessários para lutar a guerra. Mesmo assim, há ainda espaço de discordância na determinação do que seria, efetivamente, esta estrutura mínima.
4-tipos de pena: os libertários concordam em relação a definição de crime, mas discordam quanto ao tipo de pena que deve ser aplicada aos criminosos. Há libertários que são defensores da pena de morte(mesmo entre eles há disputa em relação a que casos a pena de morte poderia ser aplicada), enquanto outros são terminantemente contra(há ainda aqueles que podem até não considerar a pena de morte como potencialmente injusta, mas são contra a mesma por questões de conveniência). Há os que propõem a possibilidade de prisão perpétua, a realização de trabalhos forçados por parte de presos, etc. Há ainda a discussão de como devem funcionar mecanismos como liberdade condicional, regime semi-aberto, e em definir que tipos de crimes devem ser punidos com a prisão e aqueles nos quais o pagamento de um multa pode substituir a penalidade física.
5.aborto: os libertários concordam que a prática do aborto não deve ser financiada por aqueles que são contrários a mesma. Também concordam que não se pode proibir alguém de abortar simplesmente porque um determinado grupo de pessoas considera o ato como imoral. Mas há uma disputa entre libertários em relação a definir o aborto como uma prática de homicídio. Aqueles que consideram o aborto como equivalente ao homicídio consideram que a prática fere os direitos individuais da pessoa que é abortada. Além desta disputa entre definir se aborto é homicídio ou não, há outras questões envolvidas como: mesmo que aborto possa ser considerado homicídio, ele seria homicídio logo no momento após a concepção ou somente a partir de um determinado momento? Mesmo que o aborto não seja homicídio, a mãe pode abortar um feto que potencialmente pode viver fora do seu útero, sem tomar o cuidado de preservar a vida do mesmo enquanto este é retirado de dentro da mãe? Várias posições podem ser combinadas, sem que precisemos sair da argumentação libertária.
6.Diferenças em relação à organização política: além das diferenças de aplicação dos princípios libertários, há uma disputa quanto a maior ou menor conveniência dos vários modos de selecionar os representantes. Parlamentarismo ou presidencialismo? Quantas casas legislativas? Possibilidade de reeleição(limitada ou ilimitada?)? Qual a melhor forma de garantir a proporcionalidade da representação?
7.Diferenças não-políticas: há ainda diferenças que, embora não sejam exatamente políticas, são importantes de serem ressaltadas, pois não-libertários politizam certos temas que libertários acreditam não pertencer à esfera da política.
7.1.Religião: o libertarismo não possui nenhuma orientação em relação à religião que os libertários devem seguir, ou mesmo não seguir. Não existe opinião quanto a religião ser boa ou ruim. Isto não significa afirmar que o libertarismo defenda uma posição neutra quanto a questão religiosa, mas sim que o libertarismo, por ser uma corrente atuante na esfera política, não formula uma posição em relação a esfera religiosa, que ele considera como excluída da questão política, o que não quer dizer que a considere como irrelevante à vida humana, seja para o bem ou para o mal.
7.2.Autorizar é diferente de Incentivar: o libertarismo defende que atividades que não firam os direitos individuais de terceiros não devam ser proibidas. Isto significa simplesmente dizer que, se um indivíduo quer se engajar numa determinada atividade, e se este engajamento não implica no desrespeito aos direitos individuais de ninguém, ele não deve ser impedido de agir. Isto não significa dizer que esta ação é correta, ou que o indivíduo conseguirá o que pretende ao agir daquela forma. Também não significa que tal modo de proceder não possa ser criticado por outras pessoas, nem que as mesmas tratem o indivíduo de maneira diferente por ele ter agido daquela forma, desde que não violem os direitos dele. Ou que se façam campanhas para desestimular um determinado tipo de comportamento.
7.3.Ausência de investimento governamental não significa ausência de investimento: o fato dos libertários defenderem o não-envolvimento do governo numa série de atividades não implica em dizer que estas atividades não tenham valor, ou que ninguém deva se envolver nelas. Mas acreditamos que o fato de eu considerar um determinado investimento como importante não me autoriza a utilizar os recursos de outra pessoa que não considera aquele assunto como relevante. Eu devo tentar convencer outras pessoas a investirem naquela atividade, este é o caminho correto.
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