6 de ago. de 2006

Fala, Ortega

"Há uns dias, Alberto Einstein acreditou ter "direito" a opinar sobre a guerra civil espanhola e tomar possessão ante ela. Ora bem, Alberto Einstein usufrui uma ignorância radical sobre o que acontece na Espanha agora, há séculos e sempre. O espírito que o leva a esta insolente intervenção é o mesmo que há muito tempo vem causando o desprestígio universal do homem intelectual, que, por sua vez, faz com que o mundo vá à deriva, falto de pouvoir spirituel.
Note-se que falo da guerra civil espanhola como um exemplo entre muitos, o exemplo que mais exatamente me consta, e me reduzo a procurar que o leitor inglês admita por um momento a possibilidade de que não está bem informado, a despeito de suas copiosas "informações". Talvez isto o mova a corrigir seu insuficiente conhecimento das demais nações, suposto o mais decisivo para que no mundo volte a reinar uma ordem.
Mas eis aqui outro exemplo mais geral. Há pouco, o Congresso do Partido Laborista rechaçou, por 2.100.000 votos contra 300.000, a união com os comunistas, quer dizer, a formação na Inglaterra de uma "Frente Popular". Mas esse mesmo partido e a massa de opinião que pastoreia ocupam-se em favorecer e fomentar, do modo mais concreto e eficaz, a "Frente Popular" que se formou em outros países. Deixo intacta a questão de se uma "Frente Popular" é uma coisa benéfica ou catastrófica, e me reduzo a confrontar dois comportamentos de um mesmo grupo de opinião, e a sublinhar sua nociva incongruência. A diferença numérica na votação é daquelas diferenças quantitativas que, segundo Hegel, se convertem automaticamente em diferenças qualitativas. Essas cifras mostram que, para o bloco do Partido Laborista, a união com o comunismo, a "Frente Popular", não é uma questão de mais ou de menos, mas que a considerariam como uma doença terrível para a nação inglesa. Mas é o caso que, ao mesmo tempo, esse mesmo grupo de opinião se ocupa em cultivar esse mesmo micróbio em outros países, e isto é uma intervenção, mais ainda, poderia dizer-se que é uma intervenção guerreira, posto que tem não poucos caracteres da guerra química. Enquanto se produzam fenômenos como este, todas as esperanças de que a paz reine no mundo são, repito, penas de amor perdidas. Porque essa incongruente conduta, essa duplicidade da opinião laborista só irritação pode inspirar fora da Inglaterra.
E me pareceria vão objetar que essas intervenções irritam uma parte do povo que as sofre, mas comprazem à outra. Esta é uma observação demasiado óbvia para que seja verídica. A parte do país favorecida momentaneamente pela opinião estrangeira procurará, claro está, beneficiar-se dessa intervenção. Outra coisa seria pura tolice. Mas por baixo dessa aparente e transitória gratidão corre o processo real do vivido pelo país inteiro. A nação acaba por estabilizar-se em "sua verdade", no que efetivamente aconteceu, e ambos os partidos hostis coincidem nela, declarando-o ou não. Daí que acabam por se unir contra a incongruência da opinião estrangeira. Esta só pode esperar agradecimento perdurável na medida em que, por sorte, acerte ou seja menos incongruente com essa vivente "verdade". Toda realidade desconhecida prepara sua vingança. Não outra é a origem das catástrofes na história humana. Por isso será funesta toda tentativa de desconhecer que um povo é, como uma pessoa, embora de outro modo e por outras razões, uma intimidade - portanto, um sistema de segredos que não pode ser descoberto, à-toa, de fora -. Não pense o leitor em nada vago nem místico. Tome qualquer função coletiva, por exemplo, a língua. Bem notório é que surte praticamente impossível conhecer intimamente um idioma estrangeiro por muito que o estudemos. E não será uma insensatez crer coisa fácil o conhecimento da realidade política de um país estranho?
Sustento, pois, que a nova estrutura do mundo converte os movimentos da opinião de um país sobre o que acontece em outro - movimentos que antes eram quase inócuos - em autênticas incursões. Isto bastaria para explicar por que, quando as nações européias pareciam mais próximas a uma superior unificação, começaram repentinamente a fechar-se dentro de si mesmas, a hermetizar suas existências, umas frente às outras, e a converter-se as fronteiras em escafandros isoladores.
Eu creio que há aqui um novo problema de primeira ordem para a disciplina internacional, que corre paralelo ao do direito, versado mais acima. Como antes postulávamos uma nova técnica jurídica, aqui reclamamos uma nova técnica de trato entre os povos. Na Inglaterra o indivíduo aprendeu a guardar certas cautelas quando se permite opinar sobre outro indivíduo. Há a lei do libelo e há a formidável ditadura das "boas maneiras". Não há razão para que não sofra análoga regulamentação a opinião de um povo sobre outro.
Claro que isto supõe estar de acordo sobre um princípio básico. Sobre este: que os povos, que as nações existem. Ora bem: o velho e barato "internacionalismo", que engendrou as presentes angústias, pensava, no fundo, o oposto. Nenhuma de suas doutrinas ou atuações é compreensível se não se descobre em sua raiz o desconhecimento do que é uma nação e de que isso que são as nações constitui uma formidável realidade situada no mundo e com a qual há que contar. Era um curioso internacionalismo aquele que em suas contas esquecia sempre o detalhe de que há nações."

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