9 de ago. de 2006

Impressão sobre a União Soviética

O fato que mais me assusta na União Soviética não é o arquipélago. Afinal, a humanidade viveu séculos com a instituição da escravidão, e o grande Aristóteles inclusive defendia esse regime. Tampouco é a planificação da economia que me choca, prática tão antiga que remonta aos regimes despóticos de base hidráulica tão comuns na Ásia pré-moderna. E muito menos a censura, presente de maneira recorrente na história humana. Nem mesmos os assassinatos em massa são tão brutais, afinal matar minorias étnicas faz parte da mentalidade de tribo. Não, nada disso me é estranho, apesar de desgostar de tudo.

O que realmente acho brutal é a total ausência de produção cultural na União Soviética. A Rússia do final do século xix e início do século xx era, sem dúvida, despótica, mas possuía uma reflexão sobre a existência humana, e mesmo de seu próprio regime, muito interessante e complexa. Existia uma mediação entre os comandantes e os comandados, uma certa independência de espírito que norteava a sociedade, e evitava que a vida se tornasse um quadro do ridículo, ao ser ridicularizada com cores vivas na ficção. Quem é caricaturado não gosta da caricatura. Mas sempre sobra, num fundo da alma, aquele gosto amargo de saber que sim, "é verdade que eu tenho um nariz grande". Se não podemos mudar o nariz(atualmente se pode mudar tudo, é verdade, até o gênero!), podemos mudar nosso comportamento, a forma como o país se organiza. Se estamos condenados à miséria da existência, que ao menos tentemos alcançar alguma dignidade.
Vejam, toda literatura dita soviética foi feita por bolcheviques que já eram escritores renomados na cena russa. O país construído por Lenin e Stalin, ao contrário, não conseguiu produzir um nome de peso em nenhuma área não-técnica do conhecimento. É como se a União Soviética tivesse sido a solidificação completa do niilismo. Nada tem sentido, nada tem valor, e nem mesmo o homem heróico é capaz de produzir algo num regime que se baseia na mediocridade. O despotismo igualitarista, no qual alguns homens são mais iguais do que outros, é como o despotismo antigo, com a diferença de que sua elite não produz cultura, nem cultiva o espírito, e nem sabe se divertir. São burocratas que controlam um regime que deveria ser o começo da história humana, e que não conseguirá ser compreendido por nenhum historiador que se debruce sobre ele no futuro. Não deixou rastros, não deixou pistas, pois o seu legado é um vazio nunca antes visto.

Um comentário:

MichElle Woods Callas-Bracho Tsukino disse...

Isso é um pouco injusto no que diz respeito à produção gráfica soviética, e um bocado injusto ao omitir a apreciação que era feita do legado cultural pré-comunismo.