Citar em demasia pode ser erudição para alguns, mas para mim é sinal de fraqueza intelectual. Claro, você pode reverenciar um determinado pensador e louvá-lo pela teoria proposta, mas não deve subjetivar a idéia: ela pode ser apresentada de maneira independente e criticada em outros termos que não aqueles que o autor utiliza.
O esforço em tentar entender a teoria de um pensador é distinto de supor que um problema só pode ser encarado através daquela teoria. "O que realmente Marx quis dizer" é um problema distinto de "a teoria marxista explica de maneira satisfatória o funcionamento da sociedade?", apesar de interligados. Dependendo da sua interpretação de Marx, você achará que sua teoria serve ou não serve.
O problema do esclarecimento não deve obscurecer o fato de que, independente da interpretação que se faz de Marx estar correta ou não, essa mesma interpretação é passível de crítica. Saber se ela traduz fielmente a intenção marxista é um problema historiográfico sempre em aberto. Saber se essa mesma interpretação é uma boa ferramenta para entender o mundo, é um problema aberto em termos. Podem surgir, no futuro, teorias mais eficazes.
Mas o problema historiográfico não é sem valor. Um autor antigo pode nos servir de inspiração para desenvolver melhores teorias do que aquelas que possuímos atualmente. Se hoje o acesso à informação e o desenvolvimento do pensamento humano ocorrem quase em sincronia, no passado podemos observar que a descoberta de textos antigos e que hoje seriam considerados, portanto, defasados, serviu para que surgissem teorias mais avançadas do que aquelas em voga até então(exemplo: a reintrodução do pensamento aristotélico na Europa). O curioso é que interpretações errôneas podem se revelar mais corretas do que a teoria original(chamo de errônea a interpretação oriunda do não entendimento do que o autor quis dizer, e não o entendimento e a posterior crítica).
A leitura de obras antigas é particularmente importante nas ciências sociais, devido à dificuldade(e para alguns, a impossibilidade) de matematizar a dinâmica social. O chamado consenso científico opera com mais força nas chamadas ciências naturais, mas mesmo nessas, a biologia ainda abre espaço para que obras seminais sejam lidas, relidas e orientem a formulação de novas teorias. Talvez o grande fosso seja realmente a possibilidade ou impossibilidade de praticar experiências com regularidade.
Enquanto que nas ciências experimentais a validade de uma teoria é facilmente verificada pela sua aplicabilidade, as ciências não-experimentais dependem, basicamente, de um esforço imaginativo recorrente, ou seja, são testadas de maneira virtual. As obras de Newton ainda eram relevantes enquanto sua aplicabilidade não se tornou evidente. A partir daí, os seus princípios eram confirmados pela sua eficácia. Einstein não precisou ler Newton para formular sua teoria, mas apenas analisar os casos mal explicados pela física newtoniana.
Uma outra leitura possível é a de contextualizar Marx, ou seja, ele teria pensado assim devido a isso ou aquilo. Mas isso nada nos diz a respeito da validade de suas idéias, afinal o que teria acontecido a Einstein se tivesse nascido em Papua Nova Guiné e nunca tivesse ouvido falar de Newton? Contextualizar o desenvolvimento das idéias não tira o mérito das mesmas, a não ser que se mostre que essas idéias só possuem alcance dentro daquele contexto(quando alguém argumenta que a análise de Marx é válida para um capitalismo que não possui controles democráticos, por exemplo, ou que na verdade ele queria libertar os judeus e projetou isso no proletariado, sem fazer os devidos ajustes). Um outro uso do contexto é culpá-lo por todos os erros, e nunca pelos acertos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário