9 de jan. de 2007

Posição crítica x disposição crítica

Há muito tenho observado uma diferença fundamental de atitude, naqueles que fazem críticas em relação ao pensamento de alguém ou a um determinado estado de coisas. É o que acabei chamando de posição crítica e disposição crítica.

Posição crítica é um lugar no espaço das idéias. É referencial e independe de quem a ocupa. É o local no qual se encontram todos aqueles cujas idéias não são as dominantes numa dada sociedade. Ora, todo aquele que considera defender uma idéia verdadeira tenciona que ela seja compartilhada por todos os outros seres humanos, já que é preferível que a verdade seja compartilhada por um número maior do que por um número menor de pessoas. Idealmente, todos deveriam compartilhar a verdade. Claro que podemos considerar algumas verdades como sendo mais importantes do que outras, portanto nos importaremos menos que as pessoas acreditem em certas afirmações mentirosas do que outras. Inclusive cada pessoa também possui o seu próprio julgamento quanto à importância de cada uma dessas verdades.

O que existe de tão especial nessa posição crítica? Simples: a única forma dessa idéia sair da margem e se tornar dominante é se for colocada numa roupagem crítica, ou seja, é preciso que sejam apontados os defeitos da opinião dominante para que as pessoas se convençam em trocar as idéias dominantes pelas marginais. Não existe outra forma de promoção das idéias marginais que não essa.

Isso não significa que, alcançada a posição dominante, essas idéias continuem a ser defendidas com uma roupagem crítica. Ao contrário, elas podem passar a usar a roupa das idéias dominantes, a saber, passar a ver toda e qualquer crítica como degradação da "verdade". Se na posição marginal essas idéias se apresentavam como críticas, na posição dominante elas rejeitam todo e qualquer típico de crítica.

Já a disposição crítica incorpora a postura da posição crítica mesmo quando suas idéias se tornam dominantes. A disposição crítica entende que as idéias devam sempre ser criticadas, mesmo quando se tornam dominantes numa dada sociedade e mesmo que a consideremos como verdadeiras. Pois toda e qualquer idéia pode ser melhorada, refinada, aperfeiçoada, aplicadas a casos que antes eram ignorados. Esse movimento pela melhora é essencial, e não é perdido pelo fato de uma idéia ou doutrina ter se tornado dominante.

Claro que as idéias originadas de uma disposição crítica também enfrentam os dilemas estratégicos quando se tornam dominantes. Pois precisam, ao mesmo tempo, utilizar-se de sua posição dominante para criticar as idéias marginais e que não são verdadeiramente críticas, e fazer uma crítica de si mesmas. O problema é que essa auto-crítica pode passar a ser utilizada pelos próprios inimigos da crítica, e os defensores das idéias que possuem uma disposição crítica racham em dois: de um lado, aqueles que lutam o bom combate contra idéias reconhecidamente equivocadas; de outro, os que criticam as próprias idéias críticas que, se melhores do que as outras, não podem ser consideradas como ideais.

Por isso o desenvolvimento do pensamento liberal que se deu no período anterior à absorção dos princípios liberais básicos pelas mais variadas sociedades é muito mais criativo e crítico do que o período que cobre a defesa feita, pelos liberais, daqueles princípios que já tinham sido implementados. E que o pensamento liberal só renasceu realmente quando, colocado novamente na margem das idéias, tornou-se imperativa a necessidade de se reinventar.

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