26 de mar. de 2007

Falta o debate intermediário*

Falta, no Brasil, um debate que fique entre a disputa de poder e a reflexão acadêmica. O trabalho acadêmico, embora necessário, exige muitas vezes uma formalidade que não cabem em certos discursos. Por sua vez, a mera disputa de poder, o "quem fala mais alto" faz com que este discurso se torne muito pueril. Se a academia é o lugar que comporta a todos e o debate político só permite um vencedor, o debate ideológico de cada dia é uma disputa na qual não há um vencedor imediato, mas no qual se produz um ponto de reflexão. Tomamos posição, sim. Mas não precisamos excluir a posição alheia. Na verdade, há uma troca de idéias e uma interação saudável.

Teoricamente, os jornais seriam este espaço. Mas existem dois inconvenientes: o espaço destinado à opinião é curto demais, e o público ao qual esta opinião é expressa não possui necessariamente o conhecimento mínimo para que possa compreender determinados argumentos. Por questão de espaço e público, portanto, o formato jornal alimenta a vulgarização. As revistas semanais possuem uma data de validade muito curta, e portanto não são o melhor meio de alimentar a reflexão. Ao contrário, cultivam no leitor o hábito do reflexo, de reagir a determinados acontecimentos ou posições.

Uma revista mensal seria o melhor formato para concentrar as figuras centrais do debate nacional. Enquanto foi publicada, embora com menor intensidade nos últimos meses(estava cada vez mais ideológica), a Primeira Leitura tentou ocupar este papel. Resta-nos a blogosfera. Mas mesmo nela já podemos perceber a formação de nichos ideológicos mais ou menos rígidos, com pouco diálogo entre si. Quero dizer, com pouco diálogo não ofensivo. Confesso que tento remar contra a maré publicando textos um pouco mais elaborados e estruturados, mas provavelmente eu é que estou errado neste meu modo de proceder. É melhor simplesmente expor suas preferências ideológicas do que tentar fomentar o debate.

A volta do blog Os Progressistas se deve, dentre outras razões, à ausência deste espaço intermediário. Cada um de nós possui suas preferências ideológicas, é verdade; mas os artigos servem mais como zonas de disputa do que propriamente uma tentativa de levar tudo.

Quando eu publico um texto neste blog, o faço porque gostaria de compartilhar uma reflexão que tive com vocês. Sempre que publico um texto é porque acredito que posso enriquecer, de alguma forma, o mercado de idéias que circulam por aí.

Claro que este blog é ideológico. A começar pelo nome: Democrata Liberal. Mas ele não é exclusivamente ideológico: há um espaço para a reflexão, inclusive a auto-reflexão. Este blog me ajuda bastante a ordenar minhas idéias. E eu sempre tento expô-las de tal forma a não ferir a integridade daqueles que discordam de mim. É claro que nem sempre eu consigo.

Escrevi este post porque acredito que, em algum ponto, estamos falhando. A passagem da academia para a política não está sendo amortecida pelo debate ideológico. Simplesmente porque não o há. É na zona ideológica que o lugar político se define e se conquista. Se não há este conhecimento prévio da posição do adversário, cada idéia nova será julgada à luz do lugar que o velho inimigo ocupava.

A miséria do debate nacional é que simplesmente não há debate intermediário. E as idéias toscas se reproduzem justamente pela falta deste debate. Por exemplo, um economista acadêmico provavelmente não se ocupará do marxismo. Realmente, estudar mais profundamente o marxismo não mudará em nada a vida dele. Mas há um problema: Marx ainda continua sendo uma figura muito importante nos ouros cursos de ciências sociais. E existem professores universitários que acreditam na teoria da mais-valia. Ora, se existisse um canal de debates ideológicos, um economista poderia escrever um artigo explicando que nenhum economista relevante, hoje, seja de esquerda ou de direita, leva a tese da mais-valia a sério. E provavelmente a mesma deixaria de ser levada a sério por muita gente.

Como uma parte considerável dos economistas simplesmente ignora este cenário, eles não conseguem compreender a incompreensão que sofrem por parte de seus colegas das Humanidades. E continuarão sendo ignorados enquanto não enfrentarem de frente estes pressupostos que impedem determinados tipos de colocações ou enfoques.

Como alimentar o surgimento destes canais de debate intermediário?

*Texto inspirado em http://institutomillenium.org/2007/03/20/brasil-um-deserto-de-ideias/

Nenhum comentário: