30 de mar. de 2007

Não 2

"Pois os liberais, nascidos do realismo moderno, e do puritanismo proto-calvinista, sempre falam em termos de administrações e do momento presente. Mas nós, latinos, apaixonados pelas hierarquias centralizadoras e crentes que o mundo tem soluções acabadas (no futuro…), pensamos ao longo de governos e de décadas. Para os liberais calvinistas, pequenos e práticos, a mudança se faz por meio de incrementos - os meios e os fins estão calibrados e seguem em relação. Para nós, messiânicos, como tudo vai mesmo dar certo, a aversão pelo presente assevera um belo futuro. Ao fim e ao cabo, e qualquer que seja o meu exagero, o certo é que temos um viés: trocamos o amanhã pelo agora, substituímos o que é pelo que deveria ser. Sendo assim, enquanto vamos falando da cura pelo futuro, somos derrotados pelas rotinas que recusamos gerenciar." Roberto da Matta

Difícil dizer que o liberalismo tenha nascido do realismo. E que o mesmo adote soluções ad hoc. Na verdade, o liberalismo foi sempre combatido por seu irrealismo, por seu idealismo e até por seu utopismo. Onde já se viu imaginar uma ordem social fundada na liberdade?

Da Matta se equivoca justamente aqui. Não é que o liberalismo adote o realismo - e seu filho bastardo, o pragmatismo - de princípios, na verdade o liberalismo é fundado em princípios bastante sólidos; mas o pensamento liberal reconhece o caráter mutável da realidade social. É este reconhecimento da mutabilidade das relações sociais, e não uma espécie de anarquismo de princípios, que marca o pensamento liberal.

O problema dos "latinos"* não está no fato deles se pautarem por princípios, mas sim em vislumbrar uma realidade social estática, na qual estão destinados a agir; os "latinos" se pautam pela ausência de princípios, pois a realidade social se sobrepõe a qualquer coerência ação.

Não é um erro que abate apenas Da Matta. O próprio liberalismo se abateu desta confusão em sua história - toda a doutrina utilitarista se funda no equívoco entre os princípios e a realidade na qual os mesmos são aplicados. Todo liberal é utilitarista em sua aplicação dos princípios, visto que não é possível exigir rigor ao agir numa realidade que é mutável; mas um liberalismo que abdique dos seus princípios não poderá chegar a nenhuma conclusão quanto a ação requerida no momento. A típica reação ao utilitarismo, a doutrina dos direitos naturais, peca ao confundir o conteúdo do direito com sua natureza, e comete o erro inverso: exige rigidez na ação, pois esta é a ação "natural". Quando, no entanto, a ação provoca resultado indesejáveis, não se consegue implementar nenhuma correção, pois isto seria admitir que a escolha feita anteriormente não era "natural". Será preciso, portanto, sacrificar os princípios em nome da "coerência".

*utilizo o termo de Matta, mas ainda acho que este weberianismo vulgar não leva a nada, pois não explica a modernização da sociedade espanhola ou a prosperidade chilena, por exemplo

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