24 de mar. de 2007

Perguntas elementares

Normalmente, aquilo que se torna comum acaba por ser menos questionado. Por exemplo, hoje damos por evidente que a economia do país tem que crescer de um ano para outro. Mas quem disse que isto é um fato? Existem 3 possibilidades:

-o valor real(descontada a inflação) do PIB aumentar
-o valor real se manter
-o valor real diminuir

Além disso, há a questão da renda per capita que, se está relacionada com os 3 cenários acima, não é determinada pelos mesmos. O que é renda per capita? É o PIB dividido pela população residente no país. Ora, é possível que:

-a população diminua
-a população se mantenha a mesma
-a população aumente

Novamente, é dado como certo que a população aumentará. Ora, se é dado como certo que a população aumentará, a única forma de aumentar a renda per capita é o crescimento do PIB superar o crescimento populacional.

Mas por que a população cresceu? Por que a humanidade não continuou sua história com um número mais ou menos constante de pessoas, cuja morte era reposta pelo nascimento?

Algumas mudanças são interessantes de serem registradas:

-ao longo do tempo, a espectativa de vida da humanidade aumentou
-ao longo do tempo, a mortalidade infantil diminuiu

Por que as pessoas estão vivendo mais? Por que mais crianças sobrevivem do que antes? Estas não são situações dadas, mas hoje não conseguimos imaginar um mundo no qual nossa espectativa de vida não aumente, ou que a mortalidade infantil caia.

O mesmo se dá com a educação. Queremos que todo mundo seja educado. Mas existiu uma época na qual a humanidade não conhecia a escrita. Como a escrita surgiu e de que forma ela se espalhou pelo mundo? A partir de que momento a educação deixou de ser passatempo e tornou-se algo essencial para a nossa vida?

Questões como essa me ocupam diariamente. Na verdade, é este tipo de exame que considero como exercício de perspectiva histórica. Não um determinismo tosco como prega o marxismo, mas sim o conhecimento da trajetória histórica dessas variáveis que afligem e dominam o nosso debate presente.

Na verdade, o pior legado de Marx é a sua teoria do desenvolvimento histórico. Eu diria que uma pessoa que aceita a perspectiva marxista nunca conseguirá imaginar que fenômenos independentes podem ocorrer numa mesma sociedade, e que ambos podem modificá-la de tal forma que uma nova sociedade surja, mas sem que os mesmos tenham tido qualquer ligação entre si. O marxismo não consegue conceber modificações numa determinada sociedade que ocorram sem conexão causal com as demais. Tudo forma um todo coerente. Por isso a idéia de crise, central ao marxismo.

Uma das mudanças sociais mais radicais que ocorreram na sociedade brasileira nos últimos 50 anos foi a redução da mortalidade infantil. Historicamente, este foi e continua sendo um evento decisivo em nossa trajetória. Mas quem ensina isso nas escolas brasileiras? Quem se debruça sobre as conseqüências e o impacto que este fato teve?

Por que ninguém se debruça sobre ele? Porque continuamos com a idéia de que as modificações decisivas em nossa história são fruto de uma escolha consciente, pensada e planejada. Admitir que grande parte dos fatos que modificam nossa sociedade ocorreram de maneira espontânea, e que a margem de planejamento que nos compete é dada pelo próprio fenômeno que não criamos mas que somos obrigados a lidar, seria emagrecer a pretensão de que a ordem social pode ser determinada pelo próprio homem, ao seu bel prazer e sem nenhum limite, seja material, mental ou orçamentário.

É este mesmo tipo de pensamento que coloca as notícias veiculadas pela televisão, artigos publicados em jornal, livros escritos, etc. como determinantes do modo de pensar do brasileiro, como se não recebêssemos informações das mais variadas fontes, e como se grande parte do processamento de informações não se desse num nível subconsciente, de maneira reflexa e não reflexiva. Admitir isto seria diminuir o papel que o opinionista possui na sociedade, logo a possibilidade de modificação dos hábitos e propensões das pessoas através do debate estritamente racional seria muito menor do que hoje imaginamos.

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