14 de jan. de 2007

O problema da natureza humana - parte 2

No post anterior, eu coloquei dois problemas que surgem quando se tenta julgar um comportamento como natural ou não. O primeiro é definir a partir de quais critérios devemos julgar, o segundo é explicar como o homem pode se comportar de uma maneira que não seja natural.

Se um homem pode roubar, como esse comportamento seria contrário à sua natureza? Uma explicação possível é dizer que o homem, sendo um animal social, não gostaria das conseqüências não-intencionais de roubar, a saber, o seu afastamento do resto da humanidade que não rouba. Esse tipo de colocação é problemático, pois: 1- define que o roubo prejudica o próprio indivíduo que o comete, enquanto que subjetivamente ele pode achar que, no fim, se beneficia; 2-não explica porque o comportamento esperado é não roubar.

Ou seja, dizer que um comportamento é anti-natural só faz sentido quando referente às expectativas de uma determinada sociedade acerca do comportamento daquele homem. Roubar não é um ato anti-social em si, apenas quando referente ao sistema social como um todo. As ações individuais são sempre julgadas pelas suas conseqüências negativas no sistema social e, conseqüentemente, ao próprio indivíduo. Mas não é o indivíduo em particular que se preserva quando se conserva o sistema social, mas o próprio sistema social que possibilita a existência do indivíduo enquanto agente.

Voltemos, por exemplo, à primeira questão. Se o indivíduo se coloca a roubar, é somente porque considera que, ao roubar, está se beneficiando mais do que se não roubasse. Dizer que o julgamento dele está errado não muda o fato de que, subjetivamente, ele pensa se beneficiar. E revela o problema de definir objetivamente o que subjetivamente os indivíduos podem ou não aceitar.

Ou seja, há um pulo muito grande em dizer que certa ação é contrária aos interesses do indivíduo, pois temos que necessariamente definir quais seriam esses interesses e obrigar o indivíduo a torná-los seus, mesmo contra a sua vontade. Como fazer isso? A máxima de que devemos tratar os outros como gostaríamos de sermos tratados é uma tentativa de conciliar o interesse particular com o nosso convívio social.

Por que a economia é um campo de estudo tão controverso? Porque, de maneira geral, os economistas consideram que o indivíduo sempre age buscando satisfazer os seus próprios interesses. O que não significa que ele objetivamente conseguirá concretizá-los. Mas o campo da economia desconsidera a existência de qualquer definição objetiva de bem estar que não possa ser explicada através da ação subjetiva dos indivíduos. Ou seja, são os incentivos que modificam o comportamento individual, na margem.

Mas o que determina o comportamento individual, "no grosso"? Por que a maioria dos indivíduos não rouba e isso parece independer da existência de uma polícia atuante, por exemplo? Para o economista, as preferências individuais são dadas, não entram em discussão porque são um fato, que pode se modificar, é verdade, mas que precisamos admitir como existente. A arbitrariedade dessas preferências iniciais se opõe frontalmente à qualquer formulação de natureza humana no sentido de que existe um comportamento natural e outro não-natural. Opõe-se também à qualquer formulação de "evolução histórica", que nada mais é do que uma tentativa de reformular o paradigma da natureza humana como se a mesma fosse revelada no fim da jornada humana.



Um comentário:

negoailso disse...

fiquei com a sensação de que 'comportamento anti-natural' (ou 'não natural')possui uma contradição entre seus termos.

assim como acho que, definir a natureza humana, seria um inevitável reducionismo, no mínimo não liberal, incondizente com a variedade humana.

inclusive, penso que ,a partir dessa variedade (menos em termos numéricos que em termos psicológicos, por exemplo - será que ficou claro o insight?)em nossa espécie, podemos chegar ao liberalismo.